terça-feira, 30 de outubro de 2007

Videodrome


Exibição do dia 24 de outubro de 2007.


Videodrome

Por Carla Alice Apolinário Italiano


"Long live the new flesh". Frase emblema - ao mesmo tempo positivismo, ironia e pessimismo - condensa de modo bem elaborado a postura do filme frente à história de alucinação com ares de pesadelo tecnológico que decide contar. Frase como slogan do novo ser humano, concebido e disseminado pelo poder da televisão; como ruína evidente da resistência frente à manipulação que agora deixa de ser ideológica para se tornar física. Quando Max Renn profere tais palavras temos consciência de que ele adentra em um outro estado de existência, que sua transformação em “nova carne” foi efetivada de tal maneira que um retorno já não se mostra possível – sua sobrevivência (se ela existir) se dará estritamente em um estado midiático. Como a personagem de Brian O’Blivion em determinado ponto anuncia, “televisão é realidade, e a realidade é menos que a televisão”.


O trunfo do filme é nos deixar ser engolidos pela visão do protagonista, nossa percepção alterada a ponto de não se poder determinar onde termina a sua (nossa?) realidade e começa a alucinação. Nos identificamos com Max, desde sua vontade por algo “mais forte” - pornografia/violência -, seu fascínio ao conseguir posicionar seus anseios em um programa televisivo, a íntima relação entre dor e prazer (Crash?) na sedutora figura de Nikki Brand. A partir desse ponto uma sensação de incômodo é derivada no espectador quando essa identificação caminha junto à obsessão, os desejos do protagonista o fazendo sucumbir em uma intrincada trama de reviravoltas e poder. O olhar objetivo aos poucos se funde ao da primeira pessoa em uma subjetividade agonizantemente criativa, que pode se manifestar na humanização (como não poderia deixar de ser) do aparelho televisivo ou na criação de novos orifícios corporais - inventividade que seria retomada em Naked Lunch, com suas máquinas de escrever mugwump-beatnik expelidoras de suco.


Dentro da filmografia de Cronenberg Videodrome não é exceção. Aqui ele nada faz além de transportar seu já consolidado ideário cinematográfico para um olhar sobre a televisiva década de 80: a transmutação tecnológica, a evolução regressiva do caráter humano frente às inovações científicas, o retrato psicologicamente denso de personagens em seus vícios e obsessões, a sexualidade humana em sua complexidade.


Videodrome enquanto um programa televisivo, que na espécie de lógica irracional em que o filme maior se insere carrega o poder de alterar a pessoa que o assiste (alteração que, como era de se esperar, não se restringe ao metafórico); manipulação social com toques de seita religiosa. Videodrome enquanto filme, que faz questão de se embaralhar à sua criação homônima (como o título se apresentar de forma idêntica ao de videodrome-video) e suscitar pontos de convergência. Videodrome como a síndrome do video (e nesse caso a tradução está do meu lado) - a televisão apocalíptica como pretexto para um mergulho na psicologia humana.





Título Original: Videodrome

Direção: David Cronenberg

Ano/Origem: 1983/Canadá, Estados Unidos

Gênero: Ficção Científica, Suspense, Terror

Duração: 87 min.

Fucking Amal


Exibição do dia 9 de outubro de 2007.



Amigas de Colégio: Agonia e Êxtase


Por Kleber Mendonça Filho


Amigas de Colégio (Fucking Amal, Suécia, 1998), do estreante Lukas Moodysson (seu segundo filme é o também simpático Bem-Vindos), apresenta um olhar nítido e carinhoso sobre o inferno e confusão hormonal que é a adolescência. Utiliza uma história de amor entre duas garotas, Elin e Agnes, para nos envolver na lógica e visão do mundo de pessoas que não são mais crianças, mas que ainda não aparentam funcionar plenamente como adultos... Pois bem, num golpe inteligente, o filme nos diz que adolescentes têm condições de decidir seus caminhos, e isso inclui a sexualidade. É uma visão subversiva, festejada aqui num cinema honestamente escandinavo.


Amigas de Colégio tem tamanho frescor que parece um documentário intimista. As atuações são perfeitas e têm um alcance dramático invejável estampado no rosto de, principalmente, Rebecca Liljeberg (Agnes). Já em direção ao final, Moodysson nos apresenta um outro grande momento repleto de inteligência e significado numa delicada utilização de metáfora para o "coming out/sair do armário". É um grande ponto final para o filme, não apenas engraçado, mas também de muita delicadeza.


O filme é também cheio de pequenas observações afiadas sobre a lógica hormonal dos adolescentes, o que o torna preciso e bem humorado. Elin, por exemplo, não sabe se será modelo ou psicóloga. Num outro momento, batatas fritas precisam ser consumidas para que uma mãe não desconfie de que as filhas não ficaram em casa. Há também uma ridícula tentativa de suicídio com um depilador descartável.


Amigas de Colégio toma de assalto um gênero conhecido do Cinema Americano (o filme "teen") e o melhora com um estilo realista, afinado e de uma clareza notável. Nos dá a impressão de termos visto um raio X verdadeiro não apenas de questões ligadas à descoberta da (homo)sexualidade, mas também de uma fase dolorosa para todos nós: a adolescência.

PS: observem atentamente Agnes, na última cena do filme. Existe expressão mais pura de felicidade e paixão estampada num rosto?


Endereço deste artigo: http://cf.uol.com.br/cinemascopio/critica.cfm?CodCritica=411

Título Original: Fucking Åmål
Direção: Lukas Moodysson
Ano/Origem: 1998/Dinamarca, Suécia
Gênero: Drama, Romance
Duração: 89 min.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Fahrenheit 451



Exibição do dia 14 de setembro, sexta-feira.



Fahrenheit 451 – Fogo amigo no AZouganda


É curioso que Fahrenheit 451 seja exibido no Cineclube AZouganda justamente na semana do 11 de setembro. Pode ter sido coincidência ou devidamente planejado, o fato é que foi uma sacada genial. Porque o filme do cineasta francês François Truffaut é um dos que melhores dialogam com a crise entre Ocidente e Oriente vivida atualmente. A obra não fala da guerra, da violência, mas de uma sociedade tão obcecada em tornar-se homogênea, produtiva e segura que sufoca a cultura.


O filme é baseado no livro homônimo de Ray Bradbury e conta à história de um futuro hipotético onde a escrita e os livros foram abolidos da sociedade por serem considerados perigosos. François Truffaut não apenas refletiu sobre o livro como o transformou em um filme essencialmente dele, o que em outras palavras quer dizer delicado, belo e extremamente profundo. Pelo adjetivo belo deve-se dividir o crédito com o diretor de fotografia Nicholas Roeg. A primeira vista esse parece uma película estranha à filmografia de Truffaut. O diretor sempre preferiu temas como mulheres, paixão ou a infância. A política nunca ocupava palco central nas suas obras. Nunca retornou a ficção científica depois de Fahrenheint 451 e nem fez outro filme em inglês. No entanto, em uma análise das outras obras de Truffaut nota-se que desde o primeiro longa-metragem, Os Incompreendidos, o diretor tratava da vontade de libertar-se. Liberdade política, liberdade de sentimentos e liberdade para seguir sua própria cultura ou outra se assim desejar. Mas, ser livre, porém, é impossível sem acesso ao conhecimento.


Truffaut, provavelmente, não estaria feliz com uma França lidando, e mal, com conflitos raciais sanguinolentos. Escolas americanas proibindo o ensino do darwinismo. Papa reacionário ao extremo. Uma sociedade que tenta doutrinar a cada dia a cultura e o pensamento dentro de regras. Mas, ficaria feliz em saber que os homens-livros atuais não precisam fugir, eles “atacam” por dentro em blogs, associações de bairro, youtube, cineclubes, qualquer meio para disseminar suas idéias.

Aluísio Gomes Jr.




François Truffaut: http://www.facom.ufba.br/com112_2001_2/nouvellevague/truffaut.html
Nouvelle Vague: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nouvelle_Vague



Título Original: Fahrenheit 451

Gênero: Ficção Científica

Tempo de Duração: 112 min.

Origem/Ano: Inglaterra/1966

Direção: François Truffaut

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Contra Todos


Exibição do dia 30 de agosto, quinta-feira



CONTRA TODOS: Um gás no aguado refrigerante do cinema brasileiro

Por Roberto Maxwell


Num momento onde a discussão mais importante entre os cineastas brasileiros é a conquista do grande público, CONTRA TODOS, o primeiro filme de Roberto Moreira, é um colírio intelectual para olhos tão cansados de ver idéias (muitas vezes mal) recicladas da TV dominando a produção cinematográfica nacional.
Sem trocadilhos, o diretor vai contra todos os clichês da atual leva de filmes brasileiros: diz não ao apelo fácil de rostos conhecidos do grande publico, não resvala para o sentimentalismo barato e para o maniqueísmo das histórias de mocinho e bandido, tem uma trilha sonora criativa e que interage com o resto da linguagem, escolhe a rua e o realismo cru batendo de frente com os suntuosos cenários e os rituais de embelezamento de planos através de movimentos de câmera rebuscados e de uma fotografia pretensamente bem elaborada.
Mais feliz, no entanto, foi a escolha do elenco. Ao apostar em rostos desconhecidos do público, o diretor consegue, pelo efeito do desconhecimento, uma identificação direta entre personagem e público, barreira que tem que ser transposta quando se trabalha com atores famosos. Mesmo assim, é o talento dos intérpretes que se sobressai, criando um filme equilibrado, onde todos os atores do elenco principal têm destaque.
CONTRA TODOS é um filme que bate de frente com toda a mesmice que vem empalidecendo de criatividade a produção brasileira atual e, mesmo que não encha os bolsos dos exibidores e distribuidores, já é uma prova de que o tão falado cinema nacional não morreu de obesidade pelo excesso de pagantes (estes muito bem-vindos, sobretudo quando pensantes), nem de inanição por medo de abordar temas ‘pesados’ e ‘polêmicos’, algo de que muitos cineastas fogem, com pavor de espantar o público.


Endereço deste artigo: http://cineminha.uol.com.br/materia.cfm?id=2164

Curtas-metragens de Roberto Moreira: http://www.portacurtas.com.br/buscaficha.asp?Diret=800
Cinema Brasil: http://www.cinemabrasil.org.br/



Título Original: Contra Todos

Gênero: Drama

Tempo de Duração: 96 minutos

Origem/Ano: Brasil/2004

Direção: Roberto Moreira

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Homenagem a Anderson

Texto lido antes da exibição do filme Sonhos em homenagem ao nosso amigo Anderson (aluno do 4º período de História da FFPNM) que faleceu no dia 11 desse mês.



Sonhos

Como é essa partida assim, com tanto hotmail, tv de plasma, maconha aí pra tantas outras viagens? Você não pode deixar essa faculdade ridícula, você é um dos nossos novos, dos que nós, veteranos, ex-alunos, intimamente desprezamos pela falta de sabedoria, pela falta de influência, por não saber de nossa gloriosa passagem por aqui. Você deveria ter ficado pra aumentar o prestígio diante de nós, pra nos fortalecer. Pra saber de nossas bebedeiras, das nossas orgias. Como é que este garoto lindo ultrapassa tão cedo o limite máximo? É verdade, existem fronteiras nas nossas viagens, mas você não entenderia isso.
Lembro de três momentos que nos comunicamos de coração aberto. O primeiro, foi quando passei na tua sala, interrompi a aula de um professor qualquer, expliquei o funcionamento do Cineclube AZouganda e, pela maneira libérrima com que me apresentei, o tal professor me censurou e tivemos, eu e o professor, um momento de desentendimento, apesar de minhas explicações claríssimas. Posteriormente a esse acontecimento, nos encontramos numa festa e você, até então um desconhecido, se aproximou de mim. E o que você conhecia de mim era o meu teatro, as minhas incorporações ao passar nas salas munido de recheios românticos. Quando, na festa, você se aproximou de mim pra citar a minha passagem ruidosa na sala de aula, percebi que você era um romântico também. E você se aproximou de mim pra me apoiar, pra elogiar a minha atitude, apesar de não me conhecer, de nunca ter falado comigo.
Comecei a notar a tua presença entre os que assistiam às minhas leituras no Espaço Paulo Freire. A partir de então, você passou a me chamar de “poeta”, quando nos cumprimentávamos. A primeira vez que você me intitulou “poeta” foi no Recife Antigo, numa noite sexta-feira, talvez de carnaval. Nunca digo que sou poeta, até porque, de fato, não escrevo poemas, no máximo digo que escrevo, e o que escrevo é prosa. Mas sei do peso dessa palavra e os mil elogios que você queria lançar sobre a minha figura quando se referia a mim como “poeta”. Não sei se isso se dava ao fato de você não lembrar o meu nome e, para substituir um iminente desconcerto de ocasião, lançava-me um termo genérico, resumo do que você cria ser minha personalidade, minha vida. Isso não risca a importância desse hábito teu criado espontaneamente, pois no lugar de me chamar de “mamão”, “mané”, “frango”, “idiota”, ou qualquer outro nome, você inteligentemente me chamava de poeta.
Outro fato foi durante uma leitura que fazia no Paulo Freire. Você estava lá, interessado, os olhos avermelhados. Enquanto berrava uma letra de uma música do Los Hermanos, você quebrou o distanciamento normal que existe entre o ator e o espectador, ou seja, entre o palco e o público e também berrou na minha cara: - É isso aí! Atitude! Atitude, porra! Você foi o único, de todas as minhas aparições e leituras, você foi o único que manifestou uma compreensão claríssima diante do que eu estava fazendo ali, de saia, no meio do pátio da faculdade, em vez de estar dentro de sala de aula. Você foi o único que o fez de maneira imponente, soberana, rebelde, como cabe a um gênio. E, por isso, eu te amo, apesar de ter partido ainda como um desconhecido meu.
O que foi que aconteceu? O teu corpo esguio e forte, tua beleza de garoto macho, a tua sensibilidade diante desse mundo imbecil e uma vontade de mudança, de revolução tão bela quanto o teu físico. A vida ainda nem tinha chegado, o conhecimento do centro das relações ainda nem era teu, e pulaste da margem, saltaste o limite da margem.
Esta noite, 15 de agosto, a primeira exibição do segundo semestre de 2007 da FFPNM, eu e meus colegas do Cineclube AZouganda dedicamos à figura de Anderson. O filme, “Sonhos” de Akira Kurosawa. Pela partida sem regresso de Anderson, hoje, a beleza está ferida e os sonhos, em mim, em nós, mais belos e mais cheios de vida.


Artur Rogério, 15 de agosto de 2007.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Sonhos


Sonhos, de Akira Kurosawa

Filme do cineasta japonês Akira Kurosawa, Sonhos trata - em sua maior parte - da natureza e sua relação com o egoísmo humano, da destruição imposta a si mesmo e ao planeta.
São oito episódios, alguns sobre as experiências vividas pelos japoneses após a 11 Guerra Mundial, como O Túnel. O trauma das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, por exemplo, é nítido nos episódios O Demônio Chorão e Monte Fuji em Vermelho. Este último, apesar de tratar de um assunto pesado, tem belas imagens formadas pelas nuvens de radioatividade coloridas (O Amarelo do Estrônio 90, o violeta do Césio 137 e o vermelho do Plutônio 239).
O fascínio do diretor pelo pintor Vincent Van Gogh também está presente. É retratado em Corvos, no qual um homem, ao admirar um quadro do artista, é levado para dentro da obra. Além de passear pelas pinturas do ídolo ao som da 9a sinfonia de Beethoven, recebe uma lição de pintura do holandês: só é capaz de pintar aquele se envolve com a natureza, que a admira e segue a beleza que ela tem a oferecer.
Outro capítulo marcante é Pomar de Pêssegos.Levado por uma estranha força ao local onde ficava o pomar de pêssegos de sua família, um garoto encontra o imperador japonês e seus súditos numa espécie de morro cortado em patamares - o que remete à tradicional hierarquia japonesa. Eles estão preparados para dançar e celebrar "O Dia da Boneca", ou seja, o florescimento dos pessegueiros, pois os bonecos representam os espíritos das árvores. Porém todas foram cortadas e não há mais o que celebrar. Acusado de egoísta pelo imperador, o garoto puro chora a morte das árvores. Como prova de comoção eles dançam uma calma e sincronizada dança. Nesse momento começa a chover pétalas de flores de pêssego e no local em que estavam as pessoas surgem lindas árvores floridas.
Além desses, Sonhos ainda traz os episódios O Sol em meio à Chuva, A Nevasca e Povoado de Moinhos - este último com uma mensagem aos seres humanos capitalistas. Um velho sábio fala ao moço da cidade grande sobre as coisas que considera as mais importantes na vida de uma pessoa: a água e o ar puro.
De que adianta tanto conforto proporcionado pelas invenções da modernidade, se não há mais paz e se as pessoas esqueceram que preservar a natureza é fundamental? O filme termina com uma lição: um cortejo festivo para celebrar a morte de uma senhora de 99 anos - afma!, nada mais justo do que se despedir de uma pessoa que viveu muito bem e de forma completa com dança e música.

Ficha Técnica:

Título Original: Akira Kurosawa's Dreams / Yume
Gênero: Drama
Origem/Ano: JAP-EUA/1990
Duração: 119 min
Direção: Akira Kurosawa

Exibição:

DIA: 15 de agosto de 2007, quarta-feira
LOCAL: Sala do bloco A (a tarde), Quadra da FFPNM (a noite)
HORA: 15h30; 19h30

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Mostra AZ de Curta-Metragem


Exibição do dia 22 de maio de 2007


O cinema começou com curtas.
Depois se alongou e se complexicou.
O Cineclube AZouganda do complexo virou simples e maior, bem maior.
A questão é que tamanho não é documento.
15, 20, 30 segundos, um comercial da Coca-Cola.
Fala de Fidel Castro. Fala de Paulo Leminski, Dalton Trevisan.
“Cama de Gato”, Caio Blat. Amor de mãe.


Agora tem curta-metragem no big, big, great Cineclube AZouganda.
Terça-feira, 22 de maio.
De tarde, 15h30.
De noite, 19h30.
Dê uma rapidinha na FFFPNM.

A Máquina

Exibição do dia 11 de maio de 2007


A Máquina

Por Fabiane Secches


“A Máquina” é o filme de estréia de João Falcão, experiente dramaturgo com um respeitável currículo no teatro e na televisão. E Falcão, que não é bobo nem nada, começou logo com o pé direito e escolheu como tema de seu primeiro longa-metragem a adaptação da peça homônima, baseada em romance também homônimo (Editora Objetiva) de sua mulher, Adriana Falcão.
É um conto de fadas moderno, mas que conserva a peça chave: o amor como elemento transformador da realidade (exatamente como em outras histórias do gênero). Quando os sonhos desafiam as leis da física e da geografia, quando as condições políticas e sociais são cruéis, mas ainda assim não roubam a vida interior e nem os sentimentos genuínos, então ainda existe algo de belo a ser contado. E é neste contexto que está inserido a fábula “A Máquina”, que além de um bom roteiro, traz atuações primorosas.
O filme encanta, sobretudo pela linguagem multidisciplinar (própria de quem transita com segurança entre diversos meios de comunicação como João Falcão faz) belamente construída ao misturar mídias como o cinema, a televisão, o videoclipe e o teatro.
O contemporâneo filósofo francês André Comte-Sponville, ao questionar se o que fazia era Filosofia ou Literatura, escreveu: “deixo os rótulos aos que eles ainda interessarem”. Creio que este é o segredo de se fugir do lugar-comum – fugir da segregação e da catalogação. Pois então, para mim, João Falcão, ao trazer esta cultura “politeísta” para as telonas, só poderia mesmo ter entrado para o mundo do cinema com o pé direito. E inspirada pela rebeldia lingüística, diria até que com os dois pés direitos, afinal.


Endereço deste artigo: http://www.zetafilmes.com.br/criticas/amaquina.asp?pag=amaquina

AZ na Semana de História da FFPNM

A coordenação do Cineclube AZouganda participou da VII Semana de História da FFPNM nos dias 4, 5 e 6 de maio de 2007 exibindo os seguintes filmes:

CABRA-CEGA (SEX ÀS 18:00)
GUIA DOS MOCHILEIROS DAS GALÁXIAS (SEX ÀS 22:00)
MANDERLAY (SÁB ÀS 13:00)
LOLITA (SÁB ÀS 16:00)
TERRA PARA ROSE (SÁB ÀS 18:00)

Hair

Exibição do dia 26 de abril de 2007


O que você prefere, fumar um baseado ou ir pra guerra?


Hair (cabelo), foi durante boa parte da década de 70 o anti-tudo mais romântico dos EUA, anti-guerra, anti-repressão, anti-burguesia, ou seja, liberdade e justiça para todos. Baseados, “docinhos” e a vontade de lutar no Vietnã, fazem com que todos se perguntem: Qual foi a maior loucura que eu já cometi? Qual foi a maior loucura que sou capaz de cometer?
Numa época em que ainda se consideravam gays ou homens com cabelo grande como vagabundos que fumavam um baseado, é incrível como Milos Forman conseguiu mostrar de forma tão lúdica toda estupidez e intolerância de mandar meninos para morrer nas selvas vietnamitas, e o que é pior, com apoio dos próprios pais.
O musical, inicialmente escrito para a Broadway, ainda hoje traz a tona sentimentos quase esquecidos, ou esquecidos à propósito, amizade, vontade de querer bem e o amor. Não o amor possessivo, mas sim o amor verdadeiro, amor por seus amigos, sem cobranças e sem limites.
Vejo nos contrastes norte-americanos da década de 70 exemplos totalmente usáveis para os dias de hoje, quantos de nós não gostaria de ter um amigo como aquele, capaz de dar a vida pelo outro, sem cobranças, sem arrependimentos, pura e simplesmente por amor, ou loucura, seja lá o que for faz muita falta nas vidas juvenis de hoje.
Em tempos que BBB mobiliza as atenções de um país continental como o Brasil, é quase inimaginável ver alguém agir com tanta coerência (mesmo dentro da loucura total), e com tanta liberdade espiritual.
Vejo no Hair, ainda hoje, um apelo a todos esses sentimentos, e que cada um possa fumar seu baseado e se quiser vá para guerra, quem sou eu para dizer que não.

Luiz José OliveiraEstudante do 1º Período de Geografia da FFPNM-UPE




Cinema Musical: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema_musical


Ônibus 174


Exibição do dia 11 de abril de 2007


Ônibus 174

Por Thiago P. Ribeiro


Mansões e barracos. Carros importados e pés descalços. O chão gelado das marquises e o quarto confortável do doce lar burguês. Miséria e ostentação. Rocinha e Jardim Botânico. Viver e sobreviver. Diversas são as dualidades possíveis e imaginárias ao assistirmos o filme Ônibus 174. Os depoimentos, as imagens, o rancor em algumas falas, o pesar em outras, a trilha sonora, tudo parece nos encaminhar para um conflito entre o marginal e o incluído. Entre nós e aqueles que não são.

Sandro era mais um de nossos meninos de rua. Nosso novo Pixote. Garotos destemidos e sem esperança. Seus caminhos, trilhados pela loucura, marcados por traumas, perseguição e morte remetem a vidas sem rumo, em um país invisível. Exclusão apoiada pela maioria e percebida por poucos.

O diretor José Padilha volta ao episódio para nos revelar que o que vimos era apenas um fragmento da história. Tínhamos uma impressão errônea, nublada pela raiva e cega pela covardia. Os depoimentos colhidos, o levantamento dos dados e a investigação efetuada nos revelam que as raízes do mal plantado naquela tarde carioca estavam profundamente fincadas nas mazelas sociais e econômicas do país.

Bandidos, policiais, seqüestrados e familiares expõem seus pontos de vista sobre o que realmente motivava Sandro e mais uma vez nosso cinema mostra a realidade e nos atinge certeiramente. Somos arremessados ao submundo de nossas vidas. Trechos de existência que tentamos esquecer e renegamos com fervor. As ruas não nos pertencem. As falas soam como distantes idéias de disparidade entre nosso mundo e aqueles relatos.

Somos diferentes. Somos superiores. Somos o juíz e o júri do caso 174. Absolvemos os policiais culpados da morte de Sandro. Queremos vingança. A morte foi merecida. O "suicídio" de Sandro foi a solução encontrada para dizer que damos o poder a polícia. Nosso braço armado está livre para julgar, condenar e matar. Temos a sensação de alívio. A panela não está mais preste a explodir. Será?




Endereço deste artigo: http://www.cinemando.com.br/arquivo/filmes/onibus174.htm
Cinema Documentário Brasileiro:

quinta-feira, 22 de março de 2007

AMARCORD


"Amarcord", próximo filme que será exibido pelo Cineclube AZouganda, é dirigido pelo famigerado cineasta italiano Federico Fellini. O filme é uma comédia em tom memorialístico que também fala sobre a repressão do fascismo na Itália. Vale a pena redundar e lembrar que Fellini também é diretor dos "marcos" no cinema: "A Doce Vida", "Oito e Meio" e "La Strada".

FILME: "Amarcord"
DIREÇÃO: Federico Fellini
ORIGEM: Itália
ANO: 1973

Exibição:
DIA: 27 de março de 2007, terça-feira
LOCAL: Quadra da FFPNM
HORA: 19h30

sexta-feira, 16 de março de 2007

Durma com uma bronca dessa!

Aquela década, 80, que estamos laborando para que o retorno a sacralize, sendo ela mesma dessacralizadora, foi um saco de gato. Saco de gato vira-lata. Porque o exagero, a ressaca(?), tecnologia, locadoras de VHS, Almodóvar, Madonna, toda a espécie de originalidade e também previsibilidade pro “fake”, está na 80. E nós, 2000, estamos numa de ressacralidade. Digo saco de gato vira-lata por causa do vale-tudo, diferentemente de hoje, pois estamos vivendo sob a regência do “fake” monocromático. Não sendo o “fake” uma característica essencialmente negativa, pois não falo disso assim com desprezo total, monolítico. Falo só dessa nossa tendência a retomar alguns acontecimentos (a maioria inverossímeis) com um exacerbado romantismo piegas. Há uns cinco anos, criou-se a ditadura da nostalgia “paz e amor”. Chegamos a usar novamente, mas diferentemente, a calça boca-sino. Agora estamos mais coloridos. Voltamos à inconseqüência inconseqüente da 80. Estampas, sobreposições nas blusas dos rapazes, um “exagero” a mais na roupa das meninas. Só que alguns juram que encontram um filhote de “persa” no meio de um saco de gato vira-lata. Devo dizer que os animais vira-latas são os que mais me fascinam. Mas nem todo vira-lata tem pedigree.
A nossa intenção de exibir A Hora do Pesadelo parte de uma idéia simples: engrossar a discussão sobre um fenômeno atualíssimo que tem a ver com a mercantilização de mapas de referências. Hollywood tá importando roteiro japonês, chinês. Alguns dizem que Hollywood “não engana”, que estamos passando por essa revolução cultural e que um dos pontos nevrálgicos desse acontecimento é o fim de Hollywood. Das gravadoras de música e tal. É verdade. Mas não acredito nesse “fim”. Acredito numa transformação.
A Hora do Pesadelo é um filme dirigido por Wes Craven, mesmo diretor da trilogia “Pânico” a qual fez tanto sucesso que boa parte dos filmes de terror de uns dois anos atrás eram cópias do modelo “Pânico”. Que é um modelo criado lá pelas bandas da floresta de Jason Voorhees, o “galã” da série de dez filmes Sexta-feira 13. A trilogia Pânico também fez o sucesso da “trilogia de quatro filmes” Todo Mundo em Pânico. E isso é bem representativo quando observamos as nossas reações, pois primeiro nos assustamos com o filme “original” e depois rimos dos nossos sustos com o filme-pastiche. Isso quer dizer que cinema não é pra ser visto com os mesmos óculos que usamos para ler uma dissertação acadêmica ou um jornal, esse cacoete totalizante. A Hora do Pesadelo nos ensina isso. Além de ter um roteiro genial com o genial Freddy Krueger. Só uma pergunta: A Hora do Pesadelo seria o filme de terror mais importante da história do cinema?
P.S.: Cardinot é Freddy Krueger do mangue? Carnenot... yes!

Artur Rogério, coordenação do AZouganda, 15 de março de 2007.

quarta-feira, 14 de março de 2007

"A HORA DO PESADELO"


Como todos devem estar sabendo, na próxima quinta-feira, 15 de março de 2007, o Cineclube AZouganda exibe "A Hora do Pesadelo", filme do diretor da trilogia "Pânico", Wes Craven. Seria esse o filme de terror mais importante na história do cinema? Esperamos um bom debate.
Filme: "A Hora do Pesadelo"
Origem: EUA
Ano: 1984
Direção: Wes Craven
Dia da exibição: 15 de março de 2007, quinta-feira
Local: Quadra da FFPNM-UPE
Hora: 19h30

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

DOGMA 95


Em 2007, o AZouganda inicia as suas exibições com um filme dinamarquês do Dogma 95, movimento de estética e feitura cinematográfica subvertedoras no referente ao que sempre foi promulgado pelas indústrias de Hollywood (?). No entanto, o que parece um ótima idéia que fixar-se-ia na "área" do experimental (já que foge do padrão mundial "coercitivo" dos EUA), sustentou-se sobre um lista rígida de obrigações que os diretores, portanto, teriam que seguir para se "enquadrarem" nesta vanguarda. E vanguarda, me parece, é o "rótulo" em suas implicações comerciais, reacionárias e brilhantes que mais representa o que ocorreu na Dinamarca pela década de 90. E não é conversa de inglês não.
"Festa de Família", dirigido por Thomas Vintenberg, para alguns, é o filme mais pujante do período. Thomas Vintenberg e Lars Von Trier (diretor reconhecido pela trilogia EUA - Terra de Oportunidade que inclui os já vistos "Dogville", "Manderlay" e o ainda não visto "Wasington") são os diretores mais "populares" dos que criaram o Dogma 95.

Alguns links pra principiar a conversa: http://www.dogme95.dk/ (site oficial)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dogma_95
http://www.cinemando.com.br/arquivo/filmes/festadefamilia.htm

DIA 14 DE FEVEREIRO, A PARTIR DAS 19H30, NA QUADRA DA FFPNM, EXIBIÇÃO DO FILME "FESTA DE FAMÍLIA"

Artur Rogério, coordenção do AZouganda.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

DEZ

Dizem que é o melhor número para um estudante, a bíblia pros que seguem a Bíblia. Pouco pros que preferem uma biblioteca. É popular e sempre está relacionado à idéia de muito. Expressão sinônima de “ótimo!”. Filme de Krzysztof Kieslowski. Bom, aliás, ótimo! Nada de Cristóvãos Quiéquiabaianatem. Filme de Krzysztof Kieslowski mesmo! Mesmo sendo popular feito arroz e quiabo cuzido. Dez filmes no ano de 2006 na FFPNM pelo Cineclube AZouganda. Foram eles cronologicamente: 1- “Má Educação” (Amar a Deus sobre todas as coisas); 2- “O Grande Ditador” (Não tomar Seu santo nome em vão); 3- “Terra Estrangeira” (Guardar domingos e festas); 4- “Buena Vista Social Club” (Honrar pai e mãe); 5- “Réquiem para um sonho” (Não matar); 6- “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” (Não pecar contra a castidade); 7- “Dançando no Escuro” (Não roubar); 8- “A Noiva Cadáver” (Não levantar falso testemunho); 9- “Eleição” (Não desejar a mulher do próximo); 10- “Cinema Paradiso” (Não cobiçar as coisas alheias). Decálogo com todo respeito. Decálogo bom, dez. “Dezquarta” ou “Um Deztemido Deztino Um”.
Não foi fácil nem confortável trabalhar desnecessariamente pra promover essa atividade tão gentil e rara nos dias inumanos de hoje. Bárbaros somos quase todos que estudamos na FFPNM à procura de um dez de ouro, invadindo o município de Nazaré da Mata como sacoleiros de produtos em taiuanês(e como somos possuidores dessas línguas evoluídas, desse saber global e invasor da língua evoluída, revelamos o segredo de Brokeback Mountain importado da ilha de Ang Lee), bula em chinês, toy fala inglês, e, apesar do esforço épico, não ousamos blefar com o nosso lírico sete de coração, malgrado a secura diante de qualquer ás de paus dando sopa. E a Copa. Afinal de contas, somos bons em jogos, vestibulares e tiro ao alvo. E alguns sabem da precisão do ostracismo da galinha dos ovos de ouro. Inda bem...
Agradecemos de coração ao Departamento de Apoio Técnico da FFPNM.
Ainda acho que qualquer representação teatral, qualquer uma, é muito mais significativa do que qualquer filme, qualquer um. Embora ache que qualquer filme, hoje, é muito mais representativo do que qualquer peça de teatro. Isso justifica parcialmente a nossa atuação. Sabendo do poder alienante que o cinema carrega, não sei até que ponto conseguimos amar isso. Os dez filmes que foram exibidos pelo AZouganda são profundamente complexos, claramente ousados e geograficamente deslocados, o que justifica parcialmente a nossa exposição. Lembro de uma garota que ria muito assistindo ao filme de Almodóvar. Isso justifica a nossa absoluta entrega em dois anos de empenho.
2007 continua o AZouganda na FFPNM. Estamos precisando de novos interessados no projeto, esticar a massa, repassar funções, novos doces bárbaros. Juntos podemos acertar o lance mínimo. Uma geladeira Brastemp daquelas cromadas que têm um buraco na porta pra tomar água, isso é mamão com açúcar. Lance mínimo. Difícil é ser um Brother dez.

Nosso blog: http://cineclubeazouganda.blogspot.com/
Nosso e-mail: cineclubeazouganda@yahoo.com.br
Tel. Contato: 88412995 (Artur) ou 87290368 (Aninha).

Na ordem do texto, os diretores dos filmes citados: Pedro Almodóvar, Charles Chaplin, Walter Salles, Win Wenders, Darren Aronofsky, Jean-Pierre Jeunet, Lars Von Trier, Tim Burton, Alexander Payne, Giuseppe Tornatore.



Artur Rogério, Coordenação do Cineclube AZouganda.

domingo, 28 de janeiro de 2007

AMAZÔNIA

Se você está acompanhando o zoofilismo chapado de Baygon da desalmada Delzuite na "Amazônia" de Glória Perez, alugue o dvd "Fitzcarraldo - o preço de um sonho", filme do diretor alemão Werner Herzog.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

JÁ QUE ESTAMOS FALANDO DE CINEMA, UM TRECH0 DE LITERATURA

"O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços do litoral. A sua aparência, entretanto, no primeiro lance de vista, revela o contrário(...). É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasimodo (...) é o homem permanentemente fatigado (...) Entretanto, toda essa aparência de cansaço ilude (...) No revés o homem transfigura-se . (...) e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias." Trecho do livro "Os Sertões".

AZOUGANDA 2007

Queria algum impacto, nem que por espanto, qualquer menção de movimento, em relação à arte, discussão acadêmica, Cineclube AZouganda. Difícil, não tô inovando em nada, conto a mesma história de um ano atrás, "GENTE QUE GOSTA DE ARTE PROCURA GENTE QUE GOSTA DE ARTE", esse é o anúncio. Me parece que pior que oferecer merda é oferecer arte, ninguém tá querendo. Ou pior que merda e arte é o comprometimento? Ninguém se compromete, ponto.E assim mais um espaço interessante, necessário, único em muitos aspectos, morre daqui a algum tempo, pela falta de gente que gosta de arte e pelo cansaço de uma velha coordenação. O velório só não será ainda nesse semestre, ainda nos arrastamos, somos alguns, precisamos ser mais, ser outros, ainda GENTE QUE GOSTA DE ARTE PROCURA GENTE QUE GOSTA DE ARTE. Participe da nossa coordenação no inicio das aulas!


Ana Maria, coordenação do AZouganda, janeiro de 2007.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

CINEMA NÃO É COISA PRA POBRE

Não consigo ver uma evolução no cinema. Desde os primeiros atos nos primeiros anos do XX até hoje. O teatro, a mágica e o erro estão em Dogville. Não vejo evolução. O cinema sempre esteve hasteado num poste de mil caixas de som, alguns mais potentes que outros em determinadas estações do ano. MV Bill, repórter por uma noite do Fantástico, exibiu um catálogo de velharias, um museu de verdades futuristas para um público esquizofrênico e futurista. Hoje vejo que o Falcão é uma obra que se iniciou, abriu a capa naquela noite de domingo. Representou um preâmbulo para a narrativa aberta, sádica, bíblica, dos apóstolos do PCC. É a lei natural do negócio, o cinema não é coisa pra pobre, mas o pobre é quem dá conta da verdadeira superprodução explosiva, do documentário, da guerra de trincheira, do road movie, da comédia sob nova direção, da textura repulsiva e sensual dos negros suados, plúmbeos. E os pobres, como roteirizou o PCC, ainda acham que é possível a missão terrena, a missão divina e tentam uma, duas, três, quantas vezes for necessária a tentativa, nem sempre com sucesso de público. Mas não é isso o que importa. Eles curtem outro circuito. Curto-circuito. Longo.
Esses conceitos merdas de pós-modernidade ou modernidade e os seus naturais olhos de onde brotam outras formas disso, outras maneiras maneiras de dizer a mesma coisa, esses conceitos não passam de produtos de Sex Shop para um público que hiberna fazendo sexo ou faz sexo hibernando e depois limpa o esperma do buraco do umbigo. Que se vê louco ainda afirmando que cinema não é pra pobre e que, ao mesmo tempo, como sectários executivos desse mau sistema social, encontram outros termos, outros Códigos para, na liquefação das coisas, reservar o mapa da alquimia, ou simplesmente inventar a existência dum livro secreto da Alquimia.
Cinema não é coisa pra pobre, então prefeituras, ONGs, ONGueiras, deixem de fazer cinema na praça, curso de cinema na periferia! Isso é esquizofrenia futurista. Globo com a Sessão da Tarde, e tudo o que existe no cinema. Então, é o fim do cinema. O cinema, como tudo nesse sistema político-social, só acontece por causa dos pobres. Mas os pobres não têm consciência disso, aí consomem filmes que são o subproduto dessa arte, filmes que bestializam e distorcem (para o mal, para a venda da marca) a percepção da realidade. Não consciência. Lisbela e o Prisioneiro, O Código da Vinci. Filmes cínicos que ainda dizem que o pobre é isso mesmo e que tudo está no seu devido lugar e que tudo é engraçado e tudo se torna piada de roteiro:
Michelle está na parada de ônibus. Ela espera o lotação que a levará de volta pro Morro da Santa. Foi o seu primeiro dia no curso de cinema. Ela fez o pedido de bolsa integral e conseguiu. Viu uma reportagem no Fantástico e decidiu fazer o curso. Michelle aperta o queixo, a imagem do seu rosto e do seu queixo. A sua voz em off diz:
- Eisenstein, Einstein, dá uma dor no maxilar...
Ouvi a frase-título da boca bem articulada dum homem culto, italiano acho, representante do sistema Dolby no Brasil, que ministrou um debate promovido pelo Cine-PE aqui em Recife, esta última edição. Ele está certo. Não consigo ver uma evolução no cinema. Ele está certo. Não vejo evolução.

Artur Rogério, coordenação do AZ, 26 de maio de 2006.

WIN WENDERS, RAFA DA RABECA, MARCELO PINHEIRO, SIBA VELOSO, CAETANO VELOSO, DAVID BYRNE

Na última sexta-feira, 19 de maio, Rafa da Rabeca tocou na casa, como um vendedor de bíblia ou como um assaltante, um grupo de coqueiros plantado na caqueira da casa. O coco posto em pé pra quem tem olhos e ouvidos, sede. Rabeca, para nós, estudantes da FFPNM-UPE, é o cordão umbilical, o cupido de asas de madeira; nos beija na boca e nos tranqüiliza diante da responsabilidade para com os seres do mar, os negros na África.
Tenho escrito um projeto que é o Prêmio Vampírico. Fala-se que divisão de classes é conceito ultrapassado, que a pós-modernidade superou o livro marxista. E o que tanto fazem os nomes citados no título deste texto? É ação necessária num mundo onde há sim divisão de classes, tira de uma, põe na outra. Neste caso, sou marxista. O que eles fazem é negócio feito pescador de caranguejo. Tira da merda, mostra pra riba, tira da vida, joga na morte, tira da morte, tira da vida. Tem gente que precisa, de forma vital, tomar água de canudinho tal qual o único personagem inteligente dos filmes Jogos Mortais I, Jogos Mortais II. Isso também tem a ver com o gasoduto da parceria Petrobrás-Bolívia que recentemente foi motivo de um debate(?)-conflito(?) cuja natureza é quasar. Não sei se para o ser humano, como a água, nós precisamos estar captando/capitaneando almas, cultura, estética, vidas de planos baixos. Isso tem a ver com a coisa da Antropofagia dos paulistas lá que caminha com Caetano, baiano, cantando Nirvana baiano. Não sei se este ser antropófago come e cospe ou come e grita idealista, ou simplesmente ri tranqüilo e satisfeito. Assim, de maneira geral, não sei. Sei que a academia, as universidades, talvez depois do Duchamp e a sua roda, faz uso do kitch, e ainda vende o kitch, porque essa é a lógica natural do kitch, como o novíssimo, o vanguardístico, o Demolidor. O conceito antropofágico também é produto, assim como é produto caro Chico Buarque, Marisa Monte e Taty Quebrabarraco. O Prêmio Vampírico é pra que a gente festeje esse fato. Antropofagia como pré-requisito para as cadeiras de todos os cursos de todas as faculdades mentais. Os gênios da academia são uns bostas que se formam com títulos geniais e não sabem qual é a diferença entre uma cadeira e uma mesa. Sugam a beleza e a inteligência do marginal da mesma forma que comem (ou dão a bunda) as Jannaynnas e Myxchelless, putas de Boa Viagem, e criam personagens de teatro ruim. É um antídoto para neutralizar o veneno. Tira a célula comunista, o veneno, processa a matéria prima e vende analgésicos. O câncer não tem cura. O câncer atinge qualquer um, use fardão ou não. A metáfora, que é o primeiro antepassado do homem, nos ensina que nem tudo é o que é. E isso é a verdadeira Chave Mestra.
É o que fizeram aqueles nomes do título, aquele nome dos títulos. É a beleza do que fizeram os título. Eles são o câncer, a metáfora. Win Wenders fez um documentário, Buena Vista Social Club, que levou, de Cuba aos EUA, os deuses da música. Rabeca bateu apressado na porta dos deuses de Nazaré da Mata e pôs o coco de Nazaré da Mata para bater pra eles. Marcelo Pinheiro, talvez inspirado pelo próprio Wenders, e Siba Veloso puseram os cantores de Nazaré da Mata na França. Caetano Veloso colocou Odair José no menu dos deuses. David Byrne reproduziu uma imagem do Santo Tom Zé e propagou a doutrina tomzelista por aí pelo mundo. Ou foi o contrário.
A conclusão para mim não existe. Fica, então, a história do câncer como conclusão disso tudo. Pra mim, pra quem tá lendo, não. Fica Um Inimigo do Povo. Fica o fato.


Artur Rogério, coordenação do AZ, 24 de maio de 2006.

A ESTRÉIA

A difícil estréia do Cineclube AZouganda foi com Má Educação do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. Quando o projeto do cine já sabia andar e falar, ele foi batizado. É difícil e lindo trabalhar na vanguarda. Foi lindo e fácil estrear o AZ em Nazaré da Mata.
Tentamos fazer uma pré-estréia como uma exibição-piloto, já que o projeto ainda não havia sido aprovado. O filme não passou completo, paramos no meio, enfrentamos chuva forte, vento, a tela branca de projeção quase se desarmou em alguns momentos, o data-show teve que ser agasalhado. A Universidade de Pernambuco entrava em greve. Neste dia, na FFPNM (Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata) havia no lado de lá, no pátio do Espaço Paulo Freire, uma balbúrdia que se ouvia do lado de cá, do abrigo da antiga cantina onde arrumamos o equipamento todo para projeção. Entre um gemido e outro de Gael, gritos, aplausos, vozes irritadas que pareciam ranger de uma maneira insuportável sendo amplificadas por um caixa de som péssimo. Uma verdadeira revolução debaixo de chuva e uma greve histórica no dia da nossa estréia. O flerte não aconteceu com Almodóvar.
Reapresentamos Má Educação para uma audiência que definitivamente não estava preparada para ver as cenas que viu (ou não viu). Esta foi a nossa estréia “oficial”. Não choveu, o filme passou completo, a “greve” já havia acabado. Mulheres que cursam Pedagogia eram a maioria dos espectadores. Nos momentos de cenas “mais ousadas”, naturalmente as de sexo homossexual, quase todas senhoras desviaram os olhos do filme. Ouvi algumas dizendo que aquilo era uma pouca vergonha, que aquilo não era cinema. Uma senhora se retirou xingando aquela putaria e, com muita cautela, só voltou depois de uma meia hora. Vi uma mãe agarrada à filhinha que devia ter sete, oito anos, de maneira que a menina ficasse de costas para as imagens. Nos créditos finais, os aplausos soaram confusos, letárgicos talvez. Existe, então, um evento ousado, uma estréia delicada ou absurdamente provocante. A coisa não aconteceu, de todo, de caso pensado. Penso, agora, num notável desapontamento de boa parte do público, numa atitude anárquica de eletrochoque tomada pela coordenação do AZ, numa ingenuidade romântica de alguém, numa jovem que ria muito e, por isso, me fez ver a óbvia comédia de Almodóvar, em descrédito, em revolução.

Depois dessas estréias, pude confirmar alguns sotaques que me povoavam e, de cara, pareciam absurdas desideologizações ou burrice mesmo. Carregava indecisões e mudez diante desta arte nova, apesar de toda a luta verdadeira para a aprovação do projeto do AZ. As estréias me revelaram os filmes. Hoje sei que cineclube não é cineclube. Hoje sei que cineclube não é cinema.

Artur Rogério, coordenação do AZ, estudante de História da FFPNM - UPE.