sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O curta-metragem no século XXI: digital X película

Por Joana Nin*

Há poucos anos atrás seria impensável um diretor de fotografia ganhar um prêmio importante por seu trabalho feito em vídeo concorrendo com outros filmes captados em película. Thaís Bologna, que divide com André Queiroz a direção do curta Ernesto no País do Futebol, fez questão de gritar no microfone “captado em vídeo!”, quando subiu ao palco para receber o Kikito de Melhor Fotografia, destinado ao colega de equipe André Luiz de Luiz. A 37ª edição do Festival de Cinema de Gramado aceitou curtas-metragens finalizados em 35mm ou HD, mas não fez restrição aos formatos de captação.

Ernesto no País do Futebol - Kikito de Melhor Fotografia (curta) no Festival de Gramado 2009

Ernesto no País do Futebol - Kikito de Melhor Fotografia (curta) no Festival de Gramado 2009

Aos poucos os festivais vão se adaptando e recriando suas opções, balizando-se pelo desenvolvimento tecnológico e pela inegável transformação do mercado. Na realidade há muito mais produções em vídeo disponíveis, sobretudo no universo do curta. E hoje em dia não dá mais para afirmar que um vídeo tem menos qualidade por ter sido captado ou finalizado dispensando o suporte mais tradicional do cinema, a película. Mesmo para olhos bem treinados, nem sempre o digital se denuncia numa projeção de boa qualidade. Muitas vezes “engana direitinho”. Faz sentido este debate?

O Festival de Brasília, o mais antigo e mais tradicional do país, acabou de abrir as inscrições para a edição 2009 e divulgou, como uma das principais novidades, a criação da mostra competitiva digital - ainda separada das películas e com exibição prevista para outra sala. São aceitos curtas com até 20 minutos captados em 8mm, 16mm ou vídeo digital e finalizados em Beta SP. A categoria substitui a antiga mostra em 16mm e vai distribuir R$ 65 mil em prêmios. Até o ano passado Brasília exibia os vídeos em mostras paralelas, não competitivas.

A maior parte dos festivais de destaque do país já exibe em pé de igualdade produções digitais e películas, ficando a diferenciação para o momento da seleção. Ainda pode fazer diferença ter o filme finalizado em 35mm porque o número de produções nesta bitola é muito menor do que o de vídeos, lembrando que estamos aqui falando sempre de curtas. Nas listas de selecionados ainda há uma certa predominância dos 35mm, principalmente se considerarmos o percentual de inscritos versus o percentual de selecionados em cada formato. Cabe às comissões de seleção e a coordenação destes eventos nos dizer o porquê.

Entre os maiores, Festival do Rio, Anima Mundi, É Tudo Verdade, Festival de Curtas de São Paulo e Festival de Gramado aceitam digital e película concorrentes entre si. Enquanto que Festival de Brasília, Guarnicê e CINE-PE separam as bitolas em mostras distintas. A Rain, empresa de projeção digital, já está presente em pelo menos nove festivais nacionais, incluindo o É Tudo Verdade e o Festival de Gramado, e cerca de 25 eventos internacionais realizados no Brasil e no exterior - inclusive Anima Mundi, Festival de Curtas de São Paulo e o Festival de Paulínia, entre outros.

A possibilidade de exibir digital com qualidade em tela de 35mm é uma das principais peças deste processo de transformação que estamos atravessando. Com a ampliação do número de salas adaptadas pela Rain - hoje no Brasil são 162 - vai ficar cada vez mais difícil segurar a avalanche tecnológica. Com o tempo, a palavra “cinema” vem ganhando uma conotação cada dia mais próxima do significado atribuído ao termo “audiovisual”, tudo é filme. Como estamos falando de curtas, não podemos esquecer que atualmente a janela mais óbvia é a internet, aonde proliferam canais especializados. Se pensarmos no fato de que são raros os curtas que chegam ao circuito comercial de exibição, ainda faz tanto sentido assim dar tanto valor ao 35mm?

Seria interessante ver o que aconteceria se os festivais parassem de aceitar curtas em 35mm - muito provavelmente a bitola seria extinta para filmes de curta duração. Não há outras salas dispostas a exibir estas películas senão as dos festivais - com exceção para alguns raros programas de difusão nos moldes do “Curta às 6″ - que hoje já poderiam ser pensados em digital também. Me pergunto se o fato de uma produção conseguir imprimir uma película no final do processo e a outra não as torna assim tão diferentes, do ponto de vista da capacidade de realização e qualidade artística. Isso porque a gigantesca maioria dos curtas são captados em formatos digitais, por razões óbvias.

Voltando a comentar Gramado, encontrei Pedro Freire, diretor do curta O Teu Sorriso, finalizado em HD e vencedor dos Kikitos de Melhor Atriz (Juliana Carneiro da Cunha) e Prêmio de Crítica. Ele me contou que acaba de ser selecionado para Veneza e que mandará fazer a adaptação do filme para o formato digital compatível com o sistema predominante na Europa. Até o ano passado o Festival de Veneza também não aceitava curtas em vídeo concorrendo entre os de 35mm, agora pode. A outra boa nova trazida pelo filme dele, também estrelado por Paulo José, é que uma distribuidora carioca resolveu inserir o curta na sessão junto com o longa Juventude, de Domingos de Oliveira. Entraram em cartaz juntos, com projeção digital.

O CTAv promoveu um debate sobre este assunto no Gramado Cine Vídeo, que acontece ao mesmo tempo do Festival de Gramado. O tema era “O curta-metragem no século XXI: digital X película”. Tive o prazer de conduzir esta conversa, que contou com a contribuição de realizadores, estudantes de cinema e um representante da Rain, Cacá de Carvalho. Um dos principais temas levantados foi a questão de algumas universidades que ainda exigem dos alunos um curta em 35mm para a formatura. Me perguntaram para que mercado estão produzindo e fiquei sem saber o que dizer. Ainda bem que fui pra lá com mais perguntas que respostas, até porque o melhor que se pode fazer agora é alimentar esta polêmica.

joana-nin_gramado1*Joana Nin é Assessora do CTAv e Editora do Portal. Jornalista e documentarista, dirigiu o curta-metragem Visita Íntima, é diretora assistente do longa documentário Hércules 56, de Silvio Da-Rin, foi editora do Fantástico e repórter do SBT e TV Globo em Curitiba. É professora na pós-graduação em Cinema Documentário da FGV e na Escola Superior Sul Americana de Cinema e TV do Paraná - CINETV-PR.


Fonte: http://www.ctav.gov.br/plano-geral/

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