segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Pai que trocou a escola do filho por filmes

O Pai que trocou a escola do filho por filmes

(OGlobo - 24/05/2009 05:00:07)

Escritor canadense conta como passou a se relacionar melhor com jovem ao organizar sessões de cinema

Eduardo Fradkin

O ex-crítico de cinema e escritor canadense David Gilmour (homônimo do guitarrista do Pink Floyd) estava prestes a fazer um livro sobre como superar decepções amorosas com mulheres e já tinha até uma editora para lançá-lo, quando seu filho Jesse abriu-lhe os olhos.

- Ele me disse: "Ninguém vai ler isso. Não é para o público feminino, e os homens não compram livros desse tipo. Por que você não escreve sobre os três anos que passamos vendo filmes?" - relata Gilmour, em entrevista por telefone.

O pai seguiu o conselho, e o resultado é "O clube do filme", sucesso mundial que será lançado no Brasil amanhã pela editora Intrínseca. A obra narra uma história real: Jesse, aos 16 anos, estava sem rumo na vida, reprovado em várias matérias na escola. David, então, fez-lhe uma proposta singular. O garoto poderia deixar a escola e não precisaria arranjar trabalho. Poderia dormir até tarde e fazer o que quisesse, mas teria que assistir a três filmes com David por semana e debatê-los.

- Ele realmente odiava a escola. Eu acredito muito na educação, sou professor universitário em Toronto. Mas Jesse era um caso especial. Algo na personalidade dele fazia com que lhe fosse penoso ficar horas sentado na sala de aula. Era algo fisicamente doloroso. Isso se tornou um problema entre nós, porque eu queria que ele terminasse a escola, então ficava cobrando os deveres dele. Nossa relação se tornou uma briga constante. Percebi que, no fim das contas, eu não poderia forçar um moleque de 1,93 metro a fazer o que era necessário para concluir o ensino médio. Tudo o que eu conseguiria era destruir nossa relação e levá-lo a sair de casa. Em seis meses, é o que teria acontecido. Eu o teria perdido - alega David.

O escritor ressalta que aparentemente nada havia de errado na personalidade do filho:

- Ele não tinha problemas comportamentais ou intelectuais. Era sociável, falante. Apenas odiava a escola.

Garoto-problema se tornou roteirista e estuda atuação

Hoje, Jesse está com 23 anos. O que anda fazendo?

- Para a surpresa de todos, ele acaba de escrever e estrelar seu primeiro curta-metragem, de dez minutos, e também escreveu o roteiro de um longa que será filmado em algum momento durante o ano. Um famoso produtor canadense o leu e gostou do texto. Foi uma surpresa para mim e a mãe dele, pois não esperávamos que ele se interessasse por atuar ou escrever roteiros. Há mais ou menos um ano, ele decidiu que era o que queria fazer.

No fim do livro, Jesse resolve voltar para a escola e faz um curso intensivo de três meses para prestar um teste de admissão. Ele passa. David diz o que aconteceu depois disso:

- Ele entrou na Universidade de Toronto e ficou um ano estudando lá. Mostrou a todos que podia ser um universitário, mas disse que descobriu o que queria fazer, que era escrever um roteiro, e abandonaria a universidade para realizar aquilo. Foi para a Tailândia e três meses depois apareceu com o roteiro. Outra surpresa é que Jesse se revelou um bom ator. A mãe dele é atriz e o preparou para o curta de dez minutos. Ela me disse que ele tem um dom natural para atuar. Ele vai fazer isso no próprio filme. Está começando a tomar aulas de atuação.

Todavia, David não atribui ao cinema a ligação afetiva construída com o filho.

- Nós não nos aproximamos por causa dos filmes. Nós já nos adorávamos. A escola era o problema. No momento em que eu disse para ele que não precisava mais ir à escola, ficou tudo bem. Jesse precisava de duas coisas. Precisava de tempo para se tornar quem ele seria. Tinha só 16 anos. Nessa idade, nenhum garoto sabe o que quer. Também precisava de uma figura exemplar para a vida no mundo adulto. Se eu não servisse de modelo, ele o encontraria no seu grupo de amigos, e isso poderia ser uma encrenca. A tendência dos jovens é escolher como modelo o garoto com a personalidade mais forte, que pode vir a ser um delinquente ou um traficante. Eu acredito que adolescentes precisam de seus pais muito mais do que admitem - afirma David.

Todos os filmes vistos por Jesse dos 16 aos 19 anos foram escolhidos por David, com base em dois critérios: ele os tinha adorado em algum momento da vida, e deviam ser de todos os gêneros. Para que o filho não se tornasse esnobe, ele lhe mostrava com o mesmo entusiasmo "Cidadão Kane" ou "Instinto selvagem". As reações, às vezes, o surpreenderam.

- Mostrei "Os reis do iê iê iê" achando que ele ia adorar, mas ele detestou. Mostrei "Ran", de Akira Kurosawa, pensando que o entediaria, e ele adorou. Acho que é porque há algo nesse filme que sugere a solidão da natureza humana, algo que todos sentimos. Até ver esse filme, Jesse devia achar que era a única pessoa que tinha esse sentimento de estar só no mundo. Ele tinha estudado "Rei Lear" na escola e tinha odiado a peça de Shakespeare. O filme é a mesma história adaptada ao Japão do século XVI. Outro filme que me surpreendeu foi "Amores expressos". Na época, achei que era porque tinha uma chinesa bonita nele, e Jesse tinha acabado de perder uma namorada chinesa e estava de coração partido. Mas hoje vejo que o motivo era outro. Esse é o tipo de filme que inspira jovens cineastas, porque parece que qualquer um poderia fazê-lo - arrisca o autor.

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