sábado, 4 de abril de 2009

A gente não quer só comida?

A gente não quer só comida?

O Vale-cultura, uma das propostas que compõem a reformulação da Lei Rouanet, em consulta pública, fará com que pelo menos 12 milhões de trabalhadores disponham de R$ 50 mensais para consumir cultura. Quanto isso pode ajudar na valorização da cultura?

Por Anna Carolina Raposo

Entre as propostas apresentadas pelo Ministério da Cultura na reformulação da Lei Rouanet, em consulta pública na internet até meados de maio, uma iniciativa anima o mercado cultural: o Vale-Cultura. O novo subsídio integrará a cesta de benefícios da qual usufruem trabalhadores registrados, funcionários das empresas de lucro real, ou tributável. Eles receberão, além dos vales refeição e transporte, o montante extra de R$50 para ser gasto exclusivamente com alimento para a mente. Se sair do papel, o Vale-Cultura poderá gerar um aumento estimado em 12 milhões de pessoas entre consumidores de livros, teatro, cinema, exposições.

O ministro Juca Ferreira, quando apresentou o projeto, comparou seu funcionamento ao do "tíquete-refeiçã o". No salário do trabalhador, a dedução será de R$10, ou 20% do valor estabelecido para o benefício. O governo arcaria com 30%, e os outros 50% seriam assumidos pelas empresas. A expectativa do MinC é que de o mercado cultural seja impactado de forma similar ao setor alimentar depois de instituído o vale-alimentaçã o. Se for aprovado pelo Congresso, o vale-cultura representará uma preocupação, até então inédita, com o investimento no consumo, e não apenas na produção cultural, dizem os especialistas consultados.

Mais que comida

"Existe um aspecto muito positivo, que é ajudar na formação de um público para cultura. Não é só o aumento do público que consome cultura, mas o incentivo a uma mentalidade de procura pela cultura, proporcionar o acesso a pessoas que antes não tinham", afirma Fábio Fabio Maciel, presidente do Instituto Pensarte, organização cultural de interesse público que promove debates e ações sobre os avanços das políticas culturais no Brasil.

Para Maciel, o benefício auxilia na conscientizaçã o sobre a relevância da cultura para a formação individual, intelectual. "É um primeiro passo para uma revisão de valores. Mas será necessária a divulgação da importância em participar da cultura. O trabalhador tem que ver que aquilo vale a pena, afinal, ele também está pagando por isso". Segundo o MinC, apenas 14% da população brasileira vai ao cinema ao menos uma vez por mês, 92% não frequenta museus, 93% nunca vai à exposições de arte, e 78% nunca assiste a espetáculos de dança.

João Leiva, presidente da J. Leiva Cultura e Esporte, consultoria especializada no desenvolvimento de políticas culturais e esportivas para empresas, acredita que, independentemente da aprovação, uma proposta como a do Vale-Cultura gera uma discussão positiva sobre a importância dada à cultura. "É uma boa iniciativa e pode ter sucesso. Existe o benefício econômico direto de aumentar bilheteria, mas há um benefício maior, o de aumentar o acesso do trabalhador à cultura e a educação. As grandes dificuldades, no entanto, são um reconhecimento interno na empresa sobre o valor disso, e o sentimento do trabalhador de que o benefício realmente agrega".

Fábio Maciel crê que não haverá resistência por parte dos empregadores em aderir ao Vale-Cultura. "No que diz respeito à imagem, pode 'pegar muito bem'. Por conta disso, várias empresas vão aderir", acredita.

Democratização

O presidente do Pensarte prevê ainda mudanças na abordagem dos produtores de cultura com relação à divulgação de seus eventos e conteúdos. "Deve haver uma propaganda mais dirigida, em contato com as empregadoras. Vão ser criadas parcerias com essas empresas para fazer a divulgação de uma maneira direta para os próprios funcionários", considera.

Para Maciel, o Vale-Cultura é a parte inicial de um longo processo de democratização da cultura. "No princípio, os R$50 não vão garantir acesso às produções culturais mais caras, mas vai possibilitar uma difusão maior da produção artística. A possibilidade de escolha aumenta. E, se pensarmos em ações conjuntas atreladas ao fomento à produção, espetáculos caros podem se tornar bastante acessíveis ao público. As pessoas às quais o vale beneficia já têm suas necessidades básicas atendidas. Depois que garante-se a sobrevivência, valoriza-se o humano. E investir em cultura é valorizar o Humano".--

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