terça-feira, 30 de setembro de 2008

Próxima Exibição: O Encouraçado Potemkin (14/10/08)

14 de outubro, terça-feira
Quadra da FFPNM, às 19h30


O Encouraçado Potemkin (Texto Completo)

Por Hugo Viana

Assistir a cena da escadaria de Odessa, do filme Encouraçado Potemkin (Bronomzidi Potiomkini, URSS, 1925), com o olhar do século 21, talvez não seja suficiente para filtrar todo o peso que esses seis minutos têm na história da imagem em movimento. “Os seis minutos mais influentes do cinema”, como sintetizou o historiador Eric Hobsbawn. Trata-se de um momento que encapsula com precisão o maior legado do cineasta russo Sergei Eisenstein para a posteridade fílmica – a importância da montagem para a narrativa cinematográfica.
Para alguns cineastas, liderados por outro gênio da área, Stanley Kubrick, a montagem seria a mais cinematográfica das ferramentas do cinema. A interpretação vem do teatro, o roteiro da literatura, a iluminação e captação de fotos da fotografia – meios de comunicação nascidos antes da sétima arte. Então, o fato de juntar imagens em seqüência, selecionar algumas, em detrimento a outras, e criar sentido a partir da união de todos esses segmentos, seria o que diferenciava o cinema das outras artes.
Esse pensamento surge com mais força no cinema de Eisenstein. O cerne da teoria eisensteiniana – que ele explorou ativamente em textos acadêmicos até sua morte, em 1948 –, dizia que o choque de duas imagens diferentes gerava, no imaginário do espectador, outro significado, que não seria inteligível se a primeira ou a segunda imagem fosse exibida sem acompanhamento.
Serguei Eisenstein apoiou essa idéia em dois conceitos. Quando ele passou a estudar a composição dos ideogramas japoneses, ficou fascinado com o fato da palavra “lágrima” ser formada pela junção dos símbolos “olho” e “água”. Eisenstein pegou essa lógica e alinhou com o pensamento de Lev Kulechov, cineasta experimental russo que, ao filmar a cara inexpressiva de um ator, juntou com outros planos, de forma alternada, mostrando uma tigela de sopa, um caixão e assim por diante. Em nosso inconsciente, essas uniões ganhavam significados específicos: fome, tristeza, e por aí vai.
É assim que o cineasta russo explora o poder da união das imagens em movimento. O conceito já pode ser observado em seu primeiro filme, A Greve (1924). Sua estréia, com investimento do governo comunista – como acontecia em várias obras de Eisenstein, inclusive em Encouraçado Potemkin –, pregava a um público devastado por duas guerras seguidas (a Primeira Guerra e a Revolução Russa) como reagir às injustiças que aconteciam nas grandes fábricas.
Eisenstein fez isso através da justaposição de imagens. Ao colocar um plano de um agente da indústria ao lado de outro, com algum animal, o cineasta queria dar uma leitura específica ao seu trabalho. O subtexto era uma comparação que surgia a partir de duas vertentes intelectuais diferentes e desembocavam numa interpretação única. Esse experimento ganhou contornos ainda mais pungentes quando, no finzinho do filme, Eisenstein compara a morte dos grevistas ao abate de bois e vacas num matadouro. É uma cena chocante, que inflama o discurso comunista que permeia a obra.
Algo similar aparece também em Encouraçado Potemkin. No início do longa-metragem, quando Eisenstein quer desenhar os motivos que levaram os marinheiros a se rebelarem contra a cúpula que manda no encouraçado, o cineasta liga dois planos aparentemente sem relação – uma panela de água fervendo e as feições nervosas da tripulação descontente com os maus tratos, que incluíam chicotadas e alimentos podres.
Ao fazer essa aproximação imagética, o diretor comunica de forma criativa o estado de espírito daquele grupo de gente. Isso vai ser necessário para a fruição do filme, já que é a rebelião deles que Eisenstein narra. A tensão na embarcação aumenta a cada cena, com os embates entre os marinheiros e os oficiais se tornando cada vez mais intensos.
A faísca que toca fogo no espírito revolucionário dos marinheiros é a sentença de morte dada a um grupo deles, por desobedecerem às ordens vindas da classe dominante. O personagem principal dessa primeira metade do filme do cineasta russo – idéia que não existia em A Greve, onde o protagonista era uma massa aguerrida –, o marinheiro Vakulinchuk, que morre nas mãos de um “carniceiro”, nas palavras de Eisenstein, conclama seus camaradas e a luta entre marinheiros e oficiais finalmente toma conta do barco.
Nesse momento, através da alternância entre closes, planos médios e gerais, sempre com cortes rápidos e secos, e num bem ensaiado jogo de cena, Eisenstein consegue dar gás ao seu filme e estabelecer elos com os espectadores, que assistem a esse fluxo de imagens como convidados ilustres. Ao longo da luta, o cineasta ainda cutuca a religião. Um velho, com o cabelo todo despenteado e cara de louco, aparece empunhando uma cruz. Sua queda, em meio à briga entre Vakulinchuk e um oficial, pode ser lida como o destino das instituições religiosas daquele país.
Mas voltando à Odessa. Ao contrário da montagem por associação, que em A Greve foi feita num paralelismo que não existe de verdade, dentro do filme – os bois e vacas não fazem parte da narrativa, estão ali para ilustrar uma idéia –, em Encouraçado Potemkin, o diretor tomou um punhado de escolhas estéticas que mexem com os brios do espectador num tom mais íntimo. Diferente da “massa”, do longa inicial de Eisenstein, na cena de Odessa, há um outro ponto de referência, que direciona a atenção do público. É a utilização de arquétipos que ativam a emoção no espectador. Durante o massacre, uma mãe, que tem seu filho morto, vai tirar satisfações com a tropa que está atirando sem piedade. Ao chegar perto, leva uma saraivada de balas e cai sem vida. A força desse momento reside nos ecos que ele causa em nossa imaginação. A cena, num todo, é de uma perfeição métrica e estética pouco vista no cinema. Os soldados, dominantes na cena, partem de cima, tomando conta dos planos. A população escapa por baixo, morrendo pelos batentes. A agonia ainda é aumentada por um carrinho de bebê que sai desgovernado por esse ambiente hostil – homenagem a essa cena pode ser encontrada em Os Intocáveis, de Brian De Palma.
O fato do filme de Eisenstein ter sido feito por encomenda, a partir de um pedido do governo comunista para comemorar os vinte anos da batalha de Odessa, não tira o brilho do estudo do cineasta. É uma daquelas películas que todo mundo já destrinchou, debateu e refletiu. O que resta é apreciar as imagens, já que estas, mesmo depois de mais de oitenta anos, ainda carregam a energia revolucionária de seu ideal.
Saiba mais:


Título Original: Bronenosets Potyomkin

Direção: Sergei Eisenstein

Ano/Origem: 1925/Rússia

Gênero: Drama, Guerra

Duração: 75 min


Cineclube AZouganda:





Um comentário:

Anônimo disse...

necessario verificar:)