domingo, 3 de agosto de 2008

O Enigma de Kaspar Hauser


Exibição do dia 14 de maio de 2008.
Você é uma rã?

Por Rodrigo de Oliveira


O Enigma de Kaspar Hauser forma com Stroszek (1977) uma espécie de documentário em duas partes da tentativa de Werner Herzog entender (para eventualmente absorver) a figura singular de Bruno S., seu protagonista. A fonte para o filme de 1974 é um fato real acontecido na Alemanha de 1820, que entrou para a História como paradigma sociológico da aculturação. Que esse acontecimento tenha tornado o Kaspar Hauser original um marco não significa, no entanto, que ele seja uma exceção. Sua existência tão pronunciada é o que mais assegura que outros como ele sempre estiveram por aí. Não exatamente trancafiados por mais de trinta anos, não propriamente ignorantes da existência de uma humanidade, não necessariamente grandes bebês que não sabem andar, falar ou comer decentemente. O que interessa à Herzog não é a mitologia criada em torno de Kaspar Hauser, mas ao contrário, aquilo que ele tem de mais relacionável, que diferenciava sua experiência de uma mera adaptação ao mundo para uma aproximação frontal e direta da mecânica que rege uma vida que não era a vida de antes.
Herzog conta que a postura de Bruno S. nas gravações era sempre a de alguém que desconfia de todo aquele circo, não só o circo do cinema, mas o circo da própria existência humana na coletividade. Daí que a opção de Herzog por Bruno S. talvez tenha se devido muito pouco à seu passado enclausurado e as complicações vindas dele, e muito mais àquilo que se exibia diante do diretor numa rua alemã qualquer (e que se exibe diante dos espectadores nas duas obras-primas que protagoniza), essa sensação incomum de estar frente à algo tão reconhecível quanto tão completamente estranho e misterioso.
Homem, como nós, com pernas, nariz, olhos, que depende da respiração para viver, que precisa se alimentar regularmente – mas ainda assim, que homem é esse? E se a aparência é idêntica, mas todo o resto nega a proximidade, será que ainda é homem? É na relação com as três grandes áreas da experiência humana (religião, lógica e ciência) que Herzog mostra a fragilidade de suas verdades quando postas à prova diante de alguém que não foi educado para aceitá-las como tal. Somente uma quarta área, livre da obrigação doutrinária, com menos mandamentos e mais afetividades, terreno privilegiado do instinto e do inconsciente, poderá receber Kaspar com a inteireza que ele merece.
Só é possível sonhar a partir do testemunho da existência mundana, mas uma vez testemunhada, podemos embarcar numa viagem sem limites por aquilo que nossa vontade de experiência desejar – e talvez seja esse o grande elo entre Werner Herzog e Bruno S., esta mesma disposição de experimentar a vida sempre de peito aberto.

Saiba mais:

Uma Abordagem Psicossocial: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103 65642001000200007&script=sci_arttext

Leitura Semiótica de "O Enigma de Kaspar Hauser": www.alb.com.br/anais16/sem05pdf/sm05ss04_09.pdf
Título Original: Jeder für Sich und Gott Gegen Alle
Direção: Werner Herzog
Ano/Origem: 1974/Alemanha
Gênero: Drama

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