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segunda-feira, 1 de março de 2010

Meteorango Kid - O Herói Intergalático

EXIBIÇÃO DO CINECLUBE AZOUGANDA – FFPNM /UPE (25 de fevereiro de 2010)
FILME:
“METEORANGO KID – O HERÓI INTERGALÁTICO”
DIREÇÃO: ANDRÉ LUIZ OLIVEIRA, ORIGEM: BRASIL, ANO: 1969



Meteorango Kid – O Herói Intergalático

Por Aluísio Gomes*


Faça você mesmo. Era o lema de um dos principais movimentos culturais do século XX. Era o ideário dos punks, mas não difere muito do “uma idéia na cabeça, uma câmera na mão” do Cinema Novo. A regra do dia nas artes do século passado foi: qualquer um pode fazer sua arte, do seu jeito, não há regra.

Certamente não há regra que se aplique a um filme como Meteorango Kid, de André Luiz Oliveira. Nós, os críticos, costumamos classificá-lo como Cinema Marginal, mas esse filme de 1969 é mais que isso. Ele é marginal, é tropicalista, é punk, é cinema novo até quando critica o cinema novo. O filme conta a história de Lula, um “vagabundo” como define bem a empregada doméstica que acorda ele todas as manhãs. Através do personagem, o diretor pinta um retrato da classe média alta baiana dos 1960. Lula deixa claro o desprezo tanto pela família conservadora cristã quanto pelos colegas universitários do movimento estudantil.

André Luiz Oliveira pinta esse retrato de Salvador e da sua sociedade não como uma paisagem, e sim como um caleidoscópio. Em certos momentos tem-se a impressão de que o diretor tem muito o que falar, mas pouco tempo (ou dinheiro) para desenvolver as idéias. O filme pula sem cerimônia dos sonhos de Lula para a realidade, de uma viagem de maconha para um enterro. Como os tropicalistas (Ou Andy Warhol) utiliza-se daquilo que os eruditos consideram “lixo” para construir seu filme. Ao longo da obra temos referências a ícones culturais como Tarzan e Batman. Sempre sob o olhar cínico de Lula que não deixa o espectador saber muito bem se os pastiches são homenagens, gozação ou um pouco dos dois.

O personagem, interpretado por Antônio Luiz Martins, é um capítulo a parte. Uma espécie de Macunaíma marginal. É agressivo, misógino, feio e de cabelo desgrenhado. Completamente amoral. Mesmo assim, é impossível não gostar dele. No momento que o “Jesus Cristo” sob de volta ao coqueiro, e a câmera parte rumo a estrada, já se sabe que você vai lembrar-se de Lula, o anti-herói, para sempre.

*Jornalista e Coordenador do Cineclube AZouganda.


Cinema Marginal Revisitado: http://www.heco.com.br/marginal/01.php

Cinema Marginal x Cinema Novo: http://mnemocine.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=55:pai-contra-filho-e-vice-versa-cinema-novo-x-cinema-marginal-diversidade-e-divergencia&catid=35:histcinema&Itemid=67

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Morango e Chocolate

Por Patrícia Alves

Edição: Amanda Ramos


Há décadas, Cuba desperta o interesse do mundo, seja entre simpatizantes ou não. A verdade é que Cuba ainda impressiona por ser não apenas o único país latino-americano comunista, mas, principalmente, por ter engendrado uma revolução socialista, às "barbas" da maior potência capitalista mundial de então, os Estados Unidos. Porém, por mais curiosos que sejamos em relação à Cuba, conhecemos muito superficialmente sua realidade, salvo os especialistas e algumas raras exceções.

Assim, o filme Morango e Chocolate pode com certeza trazer à tona discussões e reflexões acerca da complexidade histórica da realidade cubana. A Havana de 1979 não é tão diferente da de hoje. Com certeza, atualmente, a situação cubana agravou-se, não apenas em conseqüência da queda do comunismo na URSS, em 1989, mas, principalmente, da perda acelerada dos recursos que provinham deste país.

Historicamente, o filme é bastante fiel às dificuldades da vida do cubano, à religiosidade (mostrando as fortes influências africanas, em oposição ao ateísmo instituído pelo materialismo histórico e seguido à risca pelo regime) e às desigualdades sociais que começam a aparecer. Um tema bem enfocado pelo filme é o da discriminação sofrida pelos homossexuais cubanos que, nas décadas de 1960 e 1970, eram enviados aos chamados "campos de reeducação" com o objetivo de serem "regenerados" para o "benefício" da sociedade cubana.

A relação conflituosa dos dois personagens, que permeia todo o enredo do filme, vai, aos poucos, com maestria, guiando o espectador para o interior de Cuba: uma Cuba alegre, espirituosa, religiosa, política, humana, mas repleta de contradições. Gutierrez consegue, com bastante sutileza, nos apresentar uma Cuba muito especial, com um passado revolucionário glorioso e que tenta, mesmo ilhada econômica e militarmente, manter suas conquistas e sua soberania.

Morango e chocolate vem lembrar, segundo seu diretor, que, "acima das questões políticas suscitadas pelo governo de Fidel Castro, há um país chamado Cuba e uma forte cultura nacional".



Saiba Mais:

Tomás Gutiérrez Alea: http://cineclubeybitukatu.blogspot.com/2009/04/ tomas-gutierrez-alea.html

Glauber Rocha e o Cinema Cubano: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882002000200011&script=sci_arttext




Comunidade no Orkut: Cineclube AZouganda
E-mail: cineclubeazouganda@yahoo.com.br
Tel: (81) 9950-0166 (Amanda Ramos) ou (81) 8705-3346 (Fernando Luiz)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

The Wall

Por Jimii


O Pink Floyd acabou em 1982, como sabe todo mundo que ama o rock. Depois do álbum Final Cut, o líder Roger Waters abandonou de maneira tempestuosa a banda, que conseguiu, na justiça, o direito de continuar existindo com o mesmo nome. Mas perdeu a essência que lhe dava a personalidade paranóica e egocêntrica de Waters, um sobrevivente dos anos 60, que já vira ser levado para as trevas da loucura um outro fundador da banda, o seu amigo, Syd Barrett. Onde a amargura de Waters se manifestou de maneira mais brilhante foi no álbum duplo The Wall, um disco conceitual, cujas canções giram em torno da história de um rockstar que entrou em um beco sem saída existencial.

Este personagem, na realidade, era o próprio Waters, que chora toda a tristeza de não ter conhecido o pai, morto na guerra e a fascistização da política inglesa com Tatcher. Aliado a isto, há a influência do punk, que levou a banda a sujar um pouco seu som, tão “sinfônico” nos álbuns anteriores. Resultou em uma obra forte, densa, destinada a marcar para sempre a cena pop. Toda a estética de The Wall desembocava, naturalmente, na possibilidade de ser explorada cinematograficamente. Convidaram Alan Parker para dirigir o projeto. O próprio Waters escreveu o roteiro e queria atuar no papel principal. Porém, como ele era muito feio para estrelar qualquer coisa no cinema, chamaram Bob Geldof, na época ainda desconhecido do público.

Alan Parker é um mestre das imagens, e assim, sua associação com o disco do Pink Floyd só poderia resultar em um de seus melhores filmes. Parker declarou certa vez que detestou ter feito The Wall em função da quantidade de problemas que teve que enfrentar para realizá-lo. Grande parte deles, com certeza, deve ter sido por causa do relacionamento com Roger Waters, pessoa de temperamento difícil, que chegou a declarar não gostar do filme. “Provavelmente porque não é um filme dele”, respondeu Parker em entrevista posterior.

Mas o filme, em si, era de realização difícil, porque diferente de tudo o que fora feito até então. Não se sabe se é um musical, um drama ou um grande vídeoclip. O clima é totalmente sem alegria. Mistura desenhos animados e cenas surrealistas. A história do é um grande mergulho na miséria pessoal do personagem. Um processo de degradação. Quem busca motivos para sonhar e sorrir deve passar longe deste filme, incrivelmente pessimista.

Antes de um show, o cantor Pink está sozinho em seu apartamento, catatônico. Uma faxineira tenta abrir a porta para fazer a limpeza. De repente, na batida poderosa de Nick Mason – um dos melhores bateristas de rock de todos os tempos – em In The Flesh, passa-se para uma rebelião de estudantes, com coquetéis molotov voando e explodindo viaturas policiais. A polícia chegando e descendo o cacete em todo mundo.

A seqüência de cenas segue a temática do álbum. Na canção “Mother”, por exemplo, vemos como a influencia de uma mãe superprotetora afeta negativamente o desenvolvimento emocional do menino. Já adulto, ele negligencia de tal forma a esposa que ela não vê outra saída a não ser traí-lo, o que acaba por agravar ainda mais seu estado mental. Na famosíssima “Another Brick In The Wall” Parker/ Waters faz uma crítica feroz ao sistema educacional inglês, ao mostrar estudantes caindo dentro de uma máquina de moer carne.

Pink quer morrer, mas ele é “salvo” do suicídio por seu empresário, pois precisa fazer um show, e há uma platéia o esperando. O poder que ele tem perante o público o deixa enlouquecido e ele se torna um líder fascista, mandando massacrar tudo o que fosse diferente, negros, judeus comunistas, homossexuais. Tudo na batida ensurdecedora de “Run Like Hell”. Há uma crítica evidente à intolerância da sociedade inglesa, simbolizada pelo despedaçamento da bandeira inglesa, sendo que a única coisa que sobra da Union Jack é uma cruz vermelha sangrando.

No final, o personagem, já totalmente destruído, pretende abandonar este papel e voltar a ser ele mesmo. Quer saber se o que aconteceu consigo foi por culpa dos outros ou de si próprio. Segue-se um julgamento, todo realizado em animação, onde ele é acusado de querer mostrar “sentimentos humanos”. As pessoas que passaram por sua vida aparecem, todas, para acusá-lo, exceto, é claro, sua mãe. Por fim, ele acaba condenado a ter o muro que o envolvia derrubado, para ficar exposto perante seus pares.

Não há um final feliz. O que se vê é apenas um dia claro e crianças pobres brincando em meio ao entulho. The Wall é um filme sem esperança. Não há saída para os sonhos humanos. Na verdade, ele é uma crítica ao capitalismo monopolista que sucedeu, no início do século XX, o capitalismo concorrencial, fenômeno já previsto por Marx e desenvolvido pela Escola de Frankfurt. O advento do nazifascismo não foi algo isolado, mas a chegada ao poder de uma mentalidade que está aí, não foi derrotada como nos disseram os filmes de Hollywood. Para um tempo em que qualquer ética que respeite o ser humano perde seu sentido, só resta o desespero e a violência.


Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/resenhasdefilmes/



Saiba mais:


Filmes: Pink Floyd:
http://arapongasrockmotor.blogspot.com/search/label/Filmes%3A%20Pink%20Floyd

Outra visão:
http://www.ufscar.br/rua/site/?p=1011


quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Maria Cheia de Graça

Por Cesar Dutra Inácio


Sem reduzir-se a falsos moralismos ou dispendiosos melodramas, Maria Cheia de Graça (Maria Full of Grace, Joshua Marston, Colômbia / EUA, 2004) aborda a questão do tráfico internacional de drogas ilícitas através da história de vida de María Álvarez (Catalina Sandino Moreno), jovem de 17 anos, residente de um pequeno povoado rural da Colômbia, em uma viagem rumo à New York transportando entorpecentes ilegais em cápsulas dentro de seu estômago, servindo como “mula” de narcóticos. (MARSTON, 2004)

María mora junto com três gerações de sua família (no caso sua avó, sua mãe e irmã que tem um filho pequeno) em uma pequena cidade localizada no interior da Colômbia. Ela era até certo ponto da película, cortadora de rosas. Apesar de haver pequenos estabelecimentos comerciais, tais como, farmácias, bares, entre outros, as atividades atreladas ao plantio de flores são a principal base de sustentação econômica da população local. Em uma sociedade mecânica, utilizamos aqui o conceito durkheimiano (DURKHEIM, 1999) para designar as sociedades com baixa divisão do trabalho social, poucas perspectivas de mudanças são previstas para gerações criadas nesse ambiente, ou seja, o modo de viver de uma geração para outra pouco será alterada ao longo dos anos. No que concerne ao lazer, a festa na pracinha do bairro representada no filme parece ser a única ou ainda uma das poucas possibilidades de lazer nessa localidade.

Entretanto, um dia ela se cansa da vida simples que levava: M. Álvarez já não tinha mais seu emprego de cortadora, totalmente sem perspectivas, grávida de um namorado que pouco ou nada a amava. A personagem principal do filme, após ser apresentada a um narcotraficante chamado Javier (Jaime Osorio Gomez) por Franklin (Jhon Alex Toro) tomou uma medida radical: passou a trabalhar como “mula” de drogas ilegais.

Em um bar de Bogotá, ponto de encontro com a protagonista da película, Javier utiliza o termo “rolo de filme” para se referir aos entorpecentes que María irá transportar. O preço parece tentador à jovem que depois de pensar um pouco, vê na atividade ilícita uma alternativa para obter os recursos financeiros para ajudar a sua família. Seu próximo destino era os Estados Unidos. (MARSTON, 2004)

A película mostra a dura realidade da juventude que busca no transporte de drogas, o sonho da “terra prometida”, mesmo que por meios ilícitos, servindo como uma válvula de escape devido à falta de recursos, por sua vez, resultado da precariedade social encontrada em seu país. O serviço de “mula” encarado por María não é exclusividade da Colômbia, mas reflete os problemas sociais encontrados nos demais países pertencentes à América do Sul e, de forma mais ampla, à América Latina, na qual a questão dos entorpecentes ilegais não está ligada somente a dimensão do consumo, mas também incide sobre o aumento da criminalidade e de outras formas de violência.
Somente para ilustrar de forma sucinta o cenário atual das drogas na Colômbia e no mundo, faremos menção ao Relatório Mundial sobre Drogas 2008 (2008 World Drug Report) lançado pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (United Nations Office on Drugs and Crime) em 26 de Junho de 2008. No que se refere às plantações ilegais de coca, em 2007, ocorreu uma elevação súbita na Colômbia.

Conforme o relatório sobre narcóticos das Nações Unidas, apesar de os índices de produção de coca estarem hodiernamente cerca de 40% menores em relação a 2000, ano recorde desse tipo de plantio na Colômbia, as plantações no país sul-americano foram elevadas 27% de 2006 para 2007 (chegando a 99.000 hectares). As regiões conhecidas como Central, Meta-Guaviare, Pacífica e Putumayo-Caquetá são responsáveis por 89% do total da coca plantada. Embora a última região citada, Putumayo-Caquetá tenha diminuído a área de cultivos ilegais de coca entre 2000 e 2004, o cultivo no total sofreu uma elevação gradual até que em 2007 os índices retornaram a níveis similares ao ano de 2002, cerca de 100.000 hectares. (UNODC, 2008)
Somadas as áreas de cultivo de coca no Peru, na Bolívia e na Colômbia houve um aumento de 16% (chegando a 181.600 hectares). A Colômbia permanece como o maior produtor de coca no mundo com 55% da produção total mundial. Cerca de 600 toneladas da referida droga que circulam no mundo, em 2007, são oriundas desse país. A ONU no anteriormente citado documento acusou que as regiões de maior cultivo de coca no país estariam sob o poder de grupos insurgentes colombianos. (UNODC, 2008)


Image
María Álvarez e seu martírio contemporâneo


Voltando ao filme, mais especialmente, no que compete ao elenco, Catalina Sandino Moreno, sem sombra de dúvidas pode ser considerada o maior destaque do filme. Ela foi a primeira atriz de nacionalidade colombiana a ser indicada ao Oscar na categoria Melhor Atriz. Apesar de ser considerada uma das maiores revelações do cinema colombiano contemporâneo, ela já havia realizado outros trabalhos em teatro como Laughing Wild de Christopher Durang, The Dark Room de Tennesse Williams e Acuerdo para cambiar de casa de Griselda Gambaro, enquanto estudava por quatro anos na Academía de Teatro Rubem Di Pietro, localizada em sua cidade natal, Bogotá. (FOLHA ONLINE, 25.01.2005; MARIA FULL OF GRACE MOVIE)

O escritor e diretor do filme, o estadunidense Joshua Marston, assim como, Catalina Sandino, também marca sua estréia com sucesso. Entre as premiações que o filme recebeu estão: Melhor Filme Estrangeiro (Seattle Film Critics Awards, San Francisco Film Critics Circle e Washington Film Critics Association) e Melhor Primeiro Filme (New York Film Critics Circle e 2004 Berlin Film Festival - Alfred Bauer Prize). Catalina também recebeu prêmios na categoria Melhor Atriz, entre eles: 2004 Berlin Film Festival - The Silver Bear, 2004 Seattle Film Festival e 2004 Cartagena International Film Festival. Entre as premiações que o diretor foi agraciado estão: Melhor Diretor Iniciante (New York Film Critics Circle e New York Critics Online). Além de várias nomeações em outros festivais de cinema dentro e fora da Colômbia. (MARIA FULL OF GRACE MOVIE)

Em suma, a indústria cinematográfica se depara então com uma Maria contemporânea não glamourizada, vítima da degradação social e reflexo da atual conjuntura do tráfico internacional de narcóticos. As nações em desenvolvimento são afetadas com a produção e tráfico das drogas e, mais atualmente também com o consumo, repercutindo nos níveis de criminalidade e demais formas de violência intrinsecamente relacionadas a eles. Os países centrais adotam medidas de repressão e vigilância contra a entrada de entorpecentes ilegais em suas fronteiras e atuam, por vezes, mediante ações militarizadas em países periféricos, como ocorrem nos casos do Plano Colômbia e da Iniciativa Regional Andina, sem contribuírem significativamente para a eliminação dos problemas sociais prementes, as mais prováveis causas da questão, tais como a necessidade de melhoria na distribuição de renda, o combate à pobreza e a promoção da reforma agrária.


Cesar Dutra Inácio é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e discente do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC / UFRJ). O autor também atua como pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (TEMPO).

Fonte: http://www.tempopresente.org



Saiba mais:

Relatório Mundial Sobre Drogas / 2009:
http://www.unodc.org/pdf/brazil/WDR2009/WDR_2009_Sumario_Executivo_em_portugues.pdf

Cuadernos de Cine Colombiano:
http://www.cinematecadistrital.gov.co/investigacion_publicaciones.htm


terça-feira, 1 de setembro de 2009

A CHINESA

Por Thiago Santana


O cinema de Godard sempre foi político. Os seus primeiro filmes apresentam o seu expediente, quase dialético, de fragmentação e continuidade, referências e críticas. A partir desse olhar nada
inocente sobre o mundo e a arte, concentro-me no momento que me apetece: A Chinesa, “um filme em processo de feitura”. Esse subtítulo, exibido logo no íncio do filme, não refere-se apenas à forma improvisada e esquemática do filme, mas expõe a instabilidade de toda tentativa de um cinema genuinamente político.

O ínicio da revolução cultural chinesa e o abrandamento do comunismo europeu são o tema, o cenário e até mesmo a trilha sonora do filme. Nesse sentido, A Chinesa tem o privilégio do momento, explorando a tensão social que acabará resultando nas revoltas de Maio de 68. Cinco jovens passam o verão num apartamento, uma espécie de colônia de férias comunista, aplicando as idéias de Mao Tse-Tung e criticando o “aburguesamento” da União Soviética e do Partido Comunista Francês, até que os donos da casa voltem de viagem. Os cinco representam de alguma forma determinados sujeitos sociais: a estudante de filosofia, invocando ações imediatas; o ator em busca de um teatro realmente socialista; o rapaz pesquisador, teórico, lógico; o pintor introspectivo e sensível; a empregada ingênua, de origem rural. Suas atividades vão evoluindo de estudos, aulas dadas por eles e para eles, para a ação terrorista que supostamente irá desencadear a revolução.

As relações desses personagens não limitam-se ao que está dentro da casa, dentro do filme. Numa das paredes da casa lê-se “é preciso confrontar idéias vagas com imagens claras”. Godard quer levar a discussão para o espectador, instigá-lo com suas imagens exatas, de cores bem definidas. O método é moderno: usar meios documentais para construir uma ficção, não almejar fantasia ou realidade, mas insinuar questões acerca de um momento, de uma situação. Godard entrevista (offscreen e ináudivel) o seus atores individualmente, que, olhando para a câmera, respondem como seus personagens, mesclam discurso e improvisação. Dessa amálgama vislumbra-se a posição do diretor como frente a arte e a política. Os trabalhos posteriores de Godard irão evidenciar melhor a sua vontade política, unindo-se à Jean-Pierre Gorin e ao Grupo Dziga Vertov para fazer filmes mais radicais, polêmicos, de caráter claramente esquerdista. Mas não irei tão longe.

Ainda em A Chinesa, aponto uma tentativa de alcançar uma representação política justa, claremente posicionada, mas que não teme o questionamento. Vemos, pouco antes de praticar um atentado, Véronique entrevistar num vagão de trem Francis Jeanson, professor e ex-resistente da Argélia. Os idéias utópicas de Veronique, precipitada frente a questão social francesa e a postura mais conservadora de Jeanson confrontam-se apenas para gerar mais ambigüidade, revelar a fragilidade das idéias. O próprio apartamento é construido como um microcosmo, um pequeno mundo fechado em si mesmo, com slogans e imagens nas paredes, pintadas com as cores da França. Essa abstração do cenário é reflexo do próprio filme, como nas paredes, a tela é invadida por frases e imagens de revoltas, Shakespeare, quadrinhos, a claquete e a câmera, num discurso por vezes direto, mas também confuso.

Ao incluir referências documentais e aspectos anti-ilusionistas, Godard apropria-se de uma câmera cínica, resguardada na distância e na desdramatização do discurso falso e da entrevista irreal. Como Guillaume, o personagem ator, busca uma forma artística genuinamente política. Tal é a identificação de Godard com Guillaume, que, ao apagar num quadro o nome de vários escritores, deixa apenas o de Brecht. O dramaturgo socialista é presença constante na filmografia godardiana e nessa vaga relação de idéias, está demonstrada a vontade por trás do filme. A tentativa de fusão entre a arte de vanguarda e a arte didática, que irá guiar Guillaume ao teatro de porta em porta, de rua, radical em sua proposta política, é a mesma que guiará os filmes de Godard.


Endereço deste artigo: http://www.cineclube.ufsc.br/index.php?texto=40


Godard, contestador: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT896426-1655-1,00.html

Maoísmo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Maoísmo


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

À Meia-Noite Levarei sua Alma

Por Pedro Moraes


À Meia-Noite Levarei sua Alma é o primeiro longa-metragem do cineasta brasileiro José Mojica Marins. O filme que é considerado o primeiro clássico de terror do cinema nacional, marca o surgimento de um personagem que se tornou folclórico no imaginário popular do cinema brasileiro, o Zé do Caixão. A película no formato preto e branco foi realizada em 1964 em plena ditadura militar e contesta de forma inteligente diversos dogmas culturais como a moral e a religiosidade.

A obra apresenta uma narrativa clássica, com a linearidade de inicio meio e fim bem definida. Os planos, iluminação e efeitos sonoros estão vinculados ao estilo do cinema dominante, encadeados de acordo com a necessidade de causa e efeito gerando impactos no espectador.

A aparência de Zé do Caixão surge com influências de diversos filmes clássicos do cinema, dentre outras, películas de duas fontes obrigatórias, o terror norte-americano e o expressionismo alemão. Podemos dizer que a estética se assemelha mais ao cinema de Hollywood, porém o personagem é mais semelhante ao eu expressionista.

Zé do Caixão possui as unhas semelhantes ao Nosferatu de Murnau (1922), e vestimentas típicas de Caligari e Cesare em O Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene (1919). Visualmente, o personagem criado por Mojica também se assemelha a Béla Lugosi em Drácula (1931) e Chaney em London After Midnight (1927), ambos os filmes, de Tod Browning.



Apesar de não ser um filme inovador para a arte cinematográfica universal, À Meia-Noite Levarei sua Alma é algo diferente para o Brasil. Mojica traz para o país um mundo diegético diferente dos realizados por diretores brasileiros, pois no cinema nacional a esfera de terror nunca foi uma tradição cinematográfica. Por isso, Zé do Caixão ainda soa para os espectadores com um estranhamento, porém essa diferença atraiu uma grande bilheteria para o personagem, fazendo do Mojica um diretor de intensa produção nas décadas de 60, 70 e 80.

Os filmes de Mojica aparentemente ingênuos, analisado, por muitos como películas que apenas exibem um sangue barato, conseguiram por diversas vezes, burlar a censura de um país que vivia intensamente um período de ditadura militar, apresentando cenas de violência e nudez. Em plena repressão, À Meia-Noite Levarei sua Alma expõe um personagem anárquico, Zé do Caixão é um homem que não respeitava nada e menosprezava as autoridades da cidade e a instituições da sociedade como religião e família.

A película começa com um diálogo que vira rotineiro na obra de Mojica. O diretor usa um personagem do filme, neste caso uma cigana, para desafiar o espectador e contar um pouco sobre o que irá aparecer nas telas. Conversando com a câmera e utilizando frases de efeito do tipo: “vão embora, não assistam esse filme”, Mojica usa esta tática para criar um vínculo de verossimidade com quem esta assistindo o filme, fazendo da ferramenta um atalho para posteriormente na narrativa os fatos ficarem mais accessíveis ao sentimento do medo. Essas cenas são regadas a uma trilha sonora sombria e incrementadas com gritos e sussurros. Com poucas exceções, as imagens citadas são feitas pelo próprio diretor, que sempre aparece acompanhado por belas mulheres com vestimentas góticas ou semi-nuas.

Vale salientar que além do terror a obra no Mojica é marcada com fases de filmes de pornô-horror. E podemos encontrar diversas películas como Perversão e Inferno Carnal que além de tentar atrair o público para ver crimes, mortes e assassinatos, usa da morte ligado ao sexo para mexer com o fetichismo subconsciente do espectador, misturando elementos como sadismo, sexualidade e terror.

À Meia-Noite Levarei Sua Alma narra a vida do agente funerário de uma cidade pacata e conservadora chamado Zé do Caixão; um ser expressionista que tem suas emoções levadas ao extremo. O agente funerário é um ser odiado pelos moradores da cidade, que o considera uma figura demoníaca sendo uma aberração doentia e psicótica.

O personagem é obcecado pela idéia de propagar sua existência com um filho, esse ideal faz com que ele realize uma busca constante por uma companheira perfeita. Essa perfeição não é atrelada a sentimentos ou desejo de construir uma família, a busca é feita apenas com os critérios de não ter fé, ser bela e burlar de alguma forma o padrão de mente feminina da época.

Endereço deste artigo: http://pmoraes.wordpress.com/


Saiba Mais:

Zé do Caixão:
http://www2.uol.com.br/zedocaixao/index.htm
O Cinema de Horror:
http://www.mnemocine.com.br/oficina/horror.htm

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Garapa, de José Padilha

Garapa


















A UTOPIA DE UM PÃO

José Padilha, diretor de Tropa de Elite e Ônibus 174, explora mais uma vergonha nacional (a fome no Nordeste) em seu novo documentário Garapa

Por Eduardo Carli de Moraes


GARAPA
José padilha
[garapa, BRA, 2009]


Dizem as estatísticas da ONU que são 930 milhões de pessoas, no mundo, que passam fome. No Brasil, segundo o IBGE, nada menos que 11 milhões de famílias padecem de “condições de insegurança alimentar grave”. Mas um número no papel, por mais estratosférico que seja, é capaz de trazer alguma lágrima aos nossos olhos? Nos tirar o sono à noite? Povoar de pesadelos nosso descanso? Nos empolgar a algum tipo de engajamento ou revolta? É sequer imaginável, concretamente, o tamanho espetacularmente faraônico dessa tragédia cotidiana?


“José Padilha é um cineasta in – inquieto e inconformado com a realidade que o cerca, a ansiedade à flor da pele. Está sempre a mil por hora, como se estivesse o tempo todo dirigidno um filme sem começo nem fim, com um roteiro imaginário na cabeça, em busca de um final feliz que nunca chega. Tem sede e fome de justiça, não se conforma em ver nada errado”, escreveu o jornalista Ricardo Kotscho na revista Brasileiros. Agora o diretor de Tropa de Elite e Ônibus 174 retorna em seu terceiro filme, Garapa, apostando mais uma vez na imensa potencialidade do cinema como um instrumento de conscientização social. A impressão que fica é a de que ele confia no cinema como um modo de construir uma empatia, uma identificação e uma comoção do espectador com as realidades sociais que nenhum livro, relatório ou estatística é capaz de transmitir. E, ao sentir o impacto indelével que é chocar-se com Garapa, quem haveria de negar esse poder extremo que às vezes consegue conquistar a imagem cinematográfica?


Mais de 70 anos desde a escrita de Vidas Secas, de Graciliano Ramos (de 1938), 45 anos depois do lançamento de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha (de 1964), e 20 anos desde Ilha das Flores, de Jorge Furtado (de 1989), para ficar em poucos exemplos, temos que admitir: as existências no sertão continuam áridas, as barrigas roncam sem parada e as bocas humanas vão engolindo a comida que até os porcos rejeitariam. É verdade que já estamos ouvindo faz décadas sobre a péssima distribuição de renda e de terra que faz do Brasil um dos países mais injustos do planeta. Mas não há nada de supérfluo em mais uma obra que venha nos rememorar de uma chaga que ainda não parou de sangrar e que estamos longe de ter conseguido remediar. Garapa é um lembrete que vem em boa hora, para retirar as vendas que indústria do entretenimento e do consumo nos mete nos olhos para que não vejamos o quanto a situação é crítica e deprimente.


Garapa foi filmado antes de Tropa de Elite, em pleno verão de 2005, na cidadezinha de Quixadá (a 200km de Fortaleza). Mas só foi montado e finalizado com a ajuda do capital gerado pelo blockbuster que mostrou o Capitão Nascimento e seus asseclas do BOPE em confronto sangrento contra os traficantes do Rio.


Padilha diz que, dos três filmes que fez, este é o mais “universal”. Sinal de que não pretendeu fazer apenas um filme de brasileiro, e para brasileiros, mas um testemunho e um protesto que devem ser ouvidos em qualquer canto do planeta Terra, onde – para nos rendermos à pobreza comunicativa de uma estatística – cerca de 1 bilhão de seres humanos, uma pessoa em cada sete, passa fome.


A escolha do preto e branco talvez se explique por aí: por um lado, o “fato” retratado nada tem de “colorido” – é uma realidade sombria, acizentada e tétrica, em que o Sol sempre flamejante não faz com que os destinos sejam menos negros. Por outro, o preto e branco também auxilia a deixar o retrato com vocação para a universalidade, já que um filme à cores traria muito marcada os tons específicos da paisagem e do solo no sertão nordestino brasileiro, enquanto que o p&b torna aquele cenário semelhante a qualquer pocilga terceiro-mundista, seja no Oriente Médio, na Ásia, na África ou na América Latina.


Além disso, a monotonia da cor ecoa a monotonia da miséria, já que à vida destes esfomeados, reduzida ao mais primário, se vê presa num chão-a-chão sem futuro, um presente sem horizontes e um passado que vai-se esquecendo rápido pois não há nele nada digno de ser rememorado. Um tempo em que a única e terrível obsessão e é manter um organismo vivo – e com quê custo!


Aqui somos apresentados a crianças que vão viver e vão morrer, a maioria delas, sem jamais conhecer o gosto do chocolate, sem jamais saber como é essa tal de Coca-Cola e que dificilmente conseguirão realizar essa façanha: se tornar “gente grande”. Porque por ali virar adulto é mais difícil que tudo: quase todo mundo morre tentando.


São crianças com os dentes podres, que são arrancados à força e que berram sem fim pelas madrugadas por um remédio que não há e por um dentista que não se pode pagar. Mas que importa ficar banguela, se não há carne nem pão que fosse preciso morder? Ah, amiguinhos, no Ceará ter dentes sadios é quase um luxo desnecessário, já que a principal fonte de nutrição da molecada é a “garapa”, ou melhor, água com açúcar!


São crianças piolhentas, imundas, que andam sem roupa não porque o clima convide a uma alegre brincadeira de nudismo, mas sim porque não possuem um mísero trapo com que cobrir seus corpinhos calcinados de sol. Têm a pele lotada de “perebas”, que o médico diz que é alergia, mas que não desaparecem (pelo contrário: só se multiplicam!) pelo contato cotidiano com as moscas, muriçocas e outros insetos que infestam casas que jamais conhecerão o inseticida. Ah, mas não é lindo de ver os primatas vivendo em comunismo com os artrópodes e as bactérias?


Esses pobres “filhos da miséria” são “arranjados” por seus pais como se fossem uma epidemia – devido à falta de métodos contraceptivos e ausência de consciência clara da necessidade de controle de natalidade. Uma das mães, que antes dos 30 anos de idade já possui 11 filhos, sem ter condições econômicas de alimentar sequer UM, usa uma linguagem sintomática: filho, para ela, é algo que a gente “pega” – como se pega uma doença ou um resfriado. Por mais que ela queira controlar a disseminação de uma prole que vem ao mundo chorando, para viver de estômago roncando, e morrer cedíssimo e definhando, ela não tem os meios para barrar essa enxurrada de novos seres que saem de seu ventre e que vêm se adicionar ao imenso e desolador cenário da miséria.


E, se a situação das crianças é de quebrar o coração, o que dizer dos adultos? São pessoas um tanto enlouquecidas por excesso de privação e humilhação. Quantas milhares de Estamiras não deverão estar espalhadas por este sertão, balbuciando discursos de raiva e humilhação à beira dos barracos e lixões?! São lares marcados pelo desemprego sem horizontes, pelo alcoolismo crônico e incurável, pela troca de ofensas entre os cônjugues, por cenas de estupro marital que não são denunciadas, por uma triste resignação a uma vida que talvez nem seja digna desse nome… Apesar de tudo, são seres que frequentemente se aferram à fé e crêem que “Deus dá”. Mas que Deus é esse, sempre silente nas nuvens, que não mexe um dedinho de sua mão onipotente para amortecer a fome de 1 bilhão de seus “filhos”? E o que ocorreria, se os despossuídos desse mundo deixassem de orar nas igrejas por uma ajuda que não chega jamais e se pusessem a agir em prol de uma transformação concreta desse mundo que parece abandonado por seu Criador?


E, enquanto marido e mulher trocam grosserias e sopapos, num português de analfabetos, em meio a crianças que murcham vivas de subnutrição, enquanto o papai vai vender o leite para ter sua dose diária de cachaça, o espectador no cinema talvez se sinta envergonhado de sua pipoca e seu refrigerante, que aprecia no conforto de um multiplex em que pagou 20 reais de ingresso e mais 20 de guloseimas. Numa sessão de cinema de Garapa, há casais ou grupos de amigos que gastam mais em duas horas do que uma família de 12 pessoas gasta em um mês. Mas não é isso o mais grave – a alfinetada final o filme reserva para o créditos, que nos contam, para nosso escândalo, o número de pessoas que morreram de fome durante a projeção do filme. Garapa é também um filme que acredita que há coisas muitos mais urgentes a fazer do que assistir filmes.



ESMOLA NÃO!

Um documentarista não é um agente humanitário. Está ali, com sua câmera, para registrar o real como o encontra, sem alterá-lo ou maquiá-lo antes de captá-lo. Todo o sentido do filme se perderia se uma equipe de produção tratasse de “arrumar o cenário” dentro destas casas e “dar dicas” às famílias sobre como deveriam se comportar assim que se apertasse o “REC”. José Padilha é exemplar neste sentido, demonstrando plena compreensão de qual é a atitude de um documentarista de gênio – e coloca-se, desde já, entre os mais brilhantes nomes do documentário nacional dos últimos anos ao lado de Eduardo Coutinho e João Moreira Salles.


Vendo aquelas crianças passando fome frente à câmera alguns de nós talvez faça a pergunta, pondo em cheque à ética daquele que segura o instrumento que apenas observa, passivamente, um espetáculo terrível que ele poderia concretamente remediar: “por que o pessoal do filme não paga um almoço pr’essa gente? não dá umas esmolas? não liga pras assistentes sociais? não ajuda a parar a sangria com band-aid e torniquete?”


É que este filme não está aqui para nos dar edificantes lições de moral sobre a necessidade de caridade, de generosidade, através do pífio e inútil exemplo da esmola. O que esses seres humanos precisam não é de esmola, isso é certo, e todos aqueles que estão ansiosos para se libertarem do ônus da culpa social através desse meio não recebem deste filme nem fiapo ou rastro de permissão. Garapa traz, no fundo, um implícito cansaço com os paliativos, e nos deixa com a sensação de que algo muito mais radical, uma modificação de uma magnitude muito maior, é necessária para amelhorar este triste quadro. Para Padilha, a atitude de “mostrar o real”, sem maquiagens, não se opõe à atitude paralela de “modificar o real”, sem covardias e medidinhas paliativas, que só aplacam por minutos a dor, deixando intacta a doença.


Um documentarista também não é um dramatizador, e o filme, apesar de poder ser visto como um filme profundamente dramático e perturbador não parece ter essa intenção de dramatizar. Em momento algum utiliza-se trilha sonora musical para sentimentalizar, nem se procura utilizar artifícios cinematográficos para fazer as lágrimas virem aos olhos dos observadores de todas aquelas tristezas.


Toda a renda de Garapa vai ser revertida em benefício de famílias carentes do Ceará. A única coisa que me entristece numa atitude tão louvável, e tão digna de ser imitada, é que um filme destes provavelmente não fará nem 10% do sucesso que fez Tropa de Elite – apesar de ser um filme tão “violento” quanto, e talvez ainda mais desolador. O filme anterior de Padilha foi certamente um dos grandes filmes nacionais da década (em termos de público, de debate social gerado, de cópias pirateadas e vendidas no mercado negro e de repercussão no exterior, rendendo até mesmo um Urso de Ouro em Berlim). Mas trazia uma violência crua, um tanto estilizada, podendo ser enxergado como um tarantinesco do terceiro-mundo que oscilava entre a crítica social e a espetacularização da violência. Já Garapa trata-se um filme brasileiro que possui uma estética que é absolutamente limpa de qualquer contaminação da estética para-as-massas do cinemão americano, ao mesmo que carrega uma grande vocação para a universalidade. É, sem dúvida, um dos filmes mais chocantes que fez o cinema brasileiro nesta década e nos contamina com uma sensação de indignação e urgência que são imprescindíveis na tentativa de transformar um quadro tão deprimente.


Trailer do filme Garapa: http://www.youtube.com/watch?v=UM03baZkEeU&




Fonte: http://www.revistaogrito.com

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Tiros em Columbine

Tiros em Columbine

Por Marcelo Ikeda


Sim, é possível tecer uma gama de argumentos contra Tiros em Columbine: sobre o estilo pop e superficial de Michael Moore, seu estilo pouco cinema de documentário para TV, seu enfoque várias vezes sensacionalista, etc, etc, etc. Mas antes de todo esse repertório de argumentos formalistas, é preciso que se diga que Tiros em Columbine é um filme corajoso, que deve ser visto e que atinge em cheio o público.

O polemista Michael Moore faz um filme de entrevistas, mas também com muita voz-off que acaba tecendo um componente ideológico claramente identificável. É fácil perceber as teses que Moore quer derrubar, que ele é contra, e isso corretamente pode ser visto contra uma técnica do documentarista de entender a realidade quase como um sociólogo, vendo os dois lados e mantendo uma certa neutralidade, deixando o lado criticado se defender.

Mas é inegável a eficiência com que Moore apresenta seu filme. Primeiro, com uma montagem fascinante. Segundo, com uma linguagem bem-humorada (algumas vezes nos faz lembrar até de Ilha das Flores) e com um ritmo que torna seu documentário extremamente atraente para o público em geral. É surpreendente também a coragem de Michael Moore, em como seu filme é um manifesto furioso contra a política americana, contra a visão da nação perfeita e do “American way of life”, e em como seu filme constrói sua visão que os Estados Unidos são a nação do medo.

Quem pensar que Michael Moore é um sensacionalista mais preocupado com o sucesso de seu filme do que em realmente o tema do documentário em si irá se surpreender com o filme. Algumas cenas mostram sem nenhuma dúvida o tom humano que Moore confere ao seu documentário. Não há por exemplo câmeras escondidas. É marcante uma cena em Flint quando uma professora dá as costas para a câmera quando não consegue falar sobre o incidente, e como a câmera se mantém respeitosamente, não querendo pegar a lágrima da mulher em close, e como Moore se aproxima da mulher, dando as costas à câmera e ficando ao lado dela. Quando a van de um executivo arranca, comprovando a negativo do empresário em responder a Moore, sua cara de desolação mostra nitidamente seu envolvimento. Outra cena de inegável impacto é quando Moore pede que Charlton Heston olhe para a foto da criança morta em Flint, e a deixa carinhosamente na sacada da casa do ator.

Agressivo, polêmico e incisivo como poderia se esperar de qualquer filme de Moore, Tiros em Columbine é também um filme sentido, um trabalho pessoal, e nunca somente mais um produto sensacionalista disposto a tornar o cineasta uma celebridade mais do que realmente colocar questões sobre seu tema. Apesar de manipulador na forma como conduz o documentário, essa manipulação se contrapõe com a paixão com que abraça seus argumentos e pela indignação, o que mais que justificam seus possível erros. Investindo raivosamente contra a mídia, o que torna sua posição como cinema num viés particularmente político, e ainda mais particularmente corajosa, Tiros em Columbine é um filme apaixonado, vigoroso e urgente. Pontos mais que suficientes para torná-lo um filme recomendável.


Fonte: http://www.geocities.com/Hollywood/Agency/8041/frio02/columbin.html

domingo, 17 de maio de 2009

Sobre o filme "Árido Movie"

Exibição do Cineclube AZouganda na IX Semana de História da FFPNM - 13 de maio de 2009.

Árido Movie: Sertão e Lisergia

Amin Stepple Hiluey


Edição: Amanda Ramos


Crepúsculo em Salvador, final dos anos 70, o cineasta Glauber Rocha, com os sete buracos da cabeça a mil por hora, pergunta ao também cineasta Jomard Muniz de Britto: “os intelectuais da Fundação Joaquim Nabuco ainda estão no Cuba Libre?”

Árido é uma road-expedição, sociológica e antropológica, ao Brasil profundo. Maconha, crime, vendeta familiar, banditismo rural. Prostituição, clientelismo político, misticismo secular. Escassez de água, disputa de terra, choque cultural, sermões desconexos. Ronco de motos, idiotia rural, rodovias duplicadas, paisagem esturricada. Índios aculturados, machismo estereotipado, matriarcado virago. E a oralidade surreal da última Flor do Lácio: o dialeto arcaico sertanejo redivivo, saldo colonial, em diapasão dissonante com o maconhês metropolitano, herança lingüística da contracultura. Está tudo lá nos grotões de Árido Movie.

Como, aliás, sempre esteve. Parafraseando Nelson Rodrigues, o sertão não se improvisa, é obra de séculos. Mas Árido é uma obra de aggionarmento do Cinema Novo dos anos 60. Ou até mesmo do cinema brasileiro dos 90, do próprio Baile Perfumado, com sua seca verde e o uísque importado de Lampião. Ou, ainda, se quiserem, da melhor tradição da literatura regional (dos 20 aos 40). Ao mesmo tempo, reforça a tese de que o cinema brasileiro está condenado a filmar e refilmar o “sol de dois canos” do sertão. Pena mais branda do que a do cinema americano, condenado a ficcionar as guerras em que o Império se mete a cada década.

Nas várias fases do cinema brasileiro, o sertão sempre foi uma location revisitada. A emprestar a sua geografia física e humana para que, através do cinema, o País se conheça e se reconheça em sua própria História, com suas questões sociais e econômicas praticamente inatacadas, imunes à evolução dos tempos, apesar das sucessivas retóricas oficiais de transformação e redenção.

Vez por outra, num criativo fatalismo cíclico, surge um novo olhar sobre a velha paisagem e suas almas secas. É o caso de Árido Movie, com sua originalidade lisérgica a se contrapor ao acumulativo histórico realista, teatralizado. Mais liberto e distanciado do realismo, este filme desbrava o sertão deste início de século com os olhos livres, e é também dessa maneira que o filme pede para ser visto. Malgrado a percepção do ineditismo das factualidades ser absolutamente ilusória, embaralhada pelo “barato” da miragem lisérgica.

A rigor, Árido é um filme muito além da nossa época. Longe de atrasar, “os ponteiros infectados de tempo” (poeta Ângelo Monteiro), e não são poucos, adiantam em alguns anos o relógio de Árido Movie, dando a necessária continuidade ao continuado nos sertões imemoriais do cinema brasileiro.

Assim, Árido Movie reescreve a profecia alada do Conselheiro: o sertão vai virar Io. Enquanto colabora para editar a novíssima história do cinema brasileiro. A exemplo de Amarelo Manga, de Cláudio de Assis, e de Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes. Com Árido, o cinema pernambucano comprova mais uma vez: é amarelo mas tem saúde.

Em tempo: os intelectuais do Joaquim Nabuco continuam no Cuba Libre?

Quanto ao cineasta Jomard Muniz de Britto, a única experiência dele com droga se limitou a um comprimido de aspirina com leite quente e canela, receita do médico João Guimarães Rosa para a cura da gripe.

Leia este artigo completo: http://www.geneton.com.br/archives/000167.html


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sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sobre o filme "Baixio das Bestas"

Exibição do Cineclube AZouganda na IX Semana de História da FFPNM - 12 de maio de 2009.


Panorâmica do Específico

Por DANIEL SCHENKER WAJNBERG


"Acabou-se o respeito", constata Heitor, personagem de Baixio das Bestas que, porém, está entre os mais envolvidos com uma absoluta deformação de valores, bastando dizer que explora sua neta, a adolescente Auxiliadora, ao tirar regularmente sua roupa diante de caminhoneiros em passagem pela região, na Zona da Mata de Pernambuco. A "podridão do mundo" desponta como o "tema" deste novo filme de Cláudio Assis, que não traz propriamente uma história e se expressa, sobretudo, através da câmera de Walter Carvalho.

Não é por acaso que Heitor aparece de costas ao fazer seu comentário e que sua imagem frontal só seja registrada na mesma cena quando ele muda de assunto. Na primeira passagem em que o avô despe a neta diante dos caminhoneiros, a câmera começa fechada nos dois personagens e depois vai abrindo de modo a mostrar o grupo de homens que a espiona; na segunda, o movimento é inverso, com a câmera movendo-se dos caminhoneiros em direção à Auxiliadora e a Heitor, que, demonstrando controle (ainda que este pareça prestes a escapar de suas mãos), determina o fim da apresentação e o corte da cena ao decidir, subitamente, que "acabou, Auxiliadora, vamos para casa".

Este poder de decisão talvez possa ser conectado à outra fala – "Sabe o que é melhor no cinema? É que no cinema você pode fazer o que quiser" –, dita pelo agroboy Everardo, de frente para a câmera e, conseqüentemente, para a platéia. Cláudio Assis faz o que quer, mas com fundamento. Mas a força principal do filme reside no trabalho do elenco. Caio Blat apresenta um misto de ódio e infantilidade (na projeção no Everardo de Matheus Nachtergaele), Mariah Teixeira transmite expressividade no silêncio concentrado de Auxiliadora, Marcelia Cartaxo e Hermila Guedes marcam com força a primeira cena no bordel, Dira Paes procura tirar partido de uma personagem assumidamente despudorada e Conceição Camarotti potencializa a imagem da cafetina decadente. No entanto, Irandhir Santos e Fernando Teixeira estão especialmente bem na apresentação de interpretações orgânicas devido à habilidade com que ocultam seus trabalhos de construção de personagem.

Filme polêmico, como seria de se esperar do realizador de Amarelo Manga , Baixio das Bestas dividiu opiniões na última edição do Festival de Brasília, de onde saiu vencedor com os Candangos de melhor filme, atriz (Mariah Teixeira), atriz coadjuvante (Dira Paes), ator coadjuvante (Irandhir Santos), trilha sonora e prêmio da crítica.


Crítica adaptada do site Críticos.com: http://www.criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?secoes=&artigo=1245

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Sobre o filme "Diários de Motocicleta"

Exibição do Cineclube AZouganda na II Semana de Letras da FFPNM - 11 de maio de 2009.


Renúncia da Autoria

Por DANIEL SCHENKER WAJNBERG


Já no título, Diários De Motocicleta surge inserido no universo de Walter Salles, um diretor que valoriza elementos afetivos – cartas, diários, motocicletas antigas. Mas, apesar disto, o filme resulta impessoal. Nada que deverá prejudicar sua repercussão dentro ou fora do Brasil. É aí que está o problema. Ao que parece, Walter Salles não quis correr riscos. Assina um trabalho que prima pela correção, sustentado por duas boas atuações (de Gael García Bernal e Rodrigo de la Serna) e por um timing ajustado.

Diante de tantos acertos – e de outros, como a fotografia menos estilizada do que o habitual e a busca por um desenho emocional menos derramado, que representam ganhos em relação aos trabalhos anteriores do diretor –, Diários De Motocicleta bate na tela como um filme perfeitamente gostável. Destituído, porém, do frescor da experimentação, essencial em se tratando de um projeto sobre amigos que saíram palmilhando um vasto território sem terem a exata noção do que iriam encontrar pela frente. É como se o formato convencional confinasse um filme que aborda justamente o passar por experiências.

Em Abril Despedaçado , apesar de todas as restrições externadas após seu lançamento, Walter Salles apresentava uma operação com um interessante nível de ousadia. Em Diários De Moticicleta , sobressai o esforço para não errar, a modéstia criativa. Há diversas cenas que poderiam ser perfeitamente encontradas em muitos outros filmes (em especial, no que diz respeito à saída de Buenos Aires). Preocupado em frisar excessivamente que não quis abordar o mito Che e sim “duas pessoas que se encontraram num determinado momento e percorreram um trecho juntas” (como se não tivesse este direito...), o cineasta não alça vôo. E, em que pese todo o esforço em desglamourizar, o apego às convenções acaba levando a uma típica seqüência de louvação: a que mostra Ernesto Guevara atravessando um perigoso rio a nado, de noite, com torcidas, suspiros e aplausos nas margens.

Convenções que também aparecem nas construções esquemáticas de Ernesto e Granado, apresentados em sistema de oposição entre a “maldita honestidade” do primeiro e a constante negociação com o mundo do segundo. Em outros momentos, os diálogos soam dispensáveis e/ou a câmera apenas reitera o que já foi dito. Restam raros instantes de silêncio na contramão da necessidade de evidenciar tudo e pelo menos um diálogo no qual fica patente a importância de lutar mesmo diante da constatação (ou talvez por causa dela) de que “a vida é um calvário”.

Crítica adaptada do site Críticos.com: http://criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?secoes=&artigo=646

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domingo, 10 de maio de 2009

Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock`n`Roll

Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’roll

Por Luis Pires


No início dos anos 80, depois de quase vinte anos de um duro regime militar, o país voltava a respirar os ares da abertura, com o ressurgimento dos partidos políticos pluralistas. O povo retomava o direito de escolher seus governantes, seus parlamentares e as discussões políticas ganhavam novamente as ruas.

Foi nesse clima que diversas revistas de quadrinhos nacionais chegaram às bancas. Geralmente elas tinham como principal característica a crítica de costumes, com personagens como Geraldão (Glauco), Os Piratas do Tietê (Laerte), Níquel Náusea (Fernando Gonzalez), que até hoje podem ser vistos nas tiras dos principais jornais do país. Dentre essas revistas, a de maior destaque foi Chiclete com Banana, na qual puderam desfilar uma infinidade de tipos criados pelo humor anárquico e urbano de Angeli: Rê Bordosa, Meiaoito, Nanico, Os Skrotinhos, Bibelô, Wood & Stock, Rhalah Ricota, entre outros.

A maioria desses tipos pode ser vista agora na tela. Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock’n’roll, é a mais nova criação da Otto Desenhos, dirigida por Otto Guerra, que já havia se aventurado num longa de animação em 1994, com Rock & Hudson: Os Caubóis Gays, outros personagens de tirinhas de jornais.

A produção de Wood & Stock traz algumas curiosidades. Entre layouts, cenários e animações foram feitos aproximadamente 40 mil desenhos, que consumiram cinco anos de trabalho da equipe. Algumas cenas foram construídas em cima de músicas dos Mutantes e traz alguns grandes nomes do cinema e da música interpretando as vozes dos personagens. Entre eles, temos Tom Zé, Julio Andrade, Zé Victor Castiel, e Rita Lee.

Inicialmente, o longa havia recebido indicação do Ministério da Justiça como impróprio para menores de 18 anos, por tratar de assuntos como drogas e sexo. Isso fez dele a primeira animação brasileira proibida para menores. Mas a Justiça acatou um pedido dos produtores e posteriormente o reclassificou para 16 anos.

Wood & Stock evoca um tempo em que, para bem ou para mal, se vivia sem rede de segurança. Por isso é politicamente incorreto. E tão interessante.


Saiba Mais:

Angeli: http://www2.uol.com.br/angeli/
Entrevista com Angeli: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u62884.shtmlv
Otto Desenhos Animados: http://www.ottodesenhos.com.br/

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Zelig - O Homem Camaleão

Zelig – O Homem Camaleão

Por João Luís de Almeida Machado

Edição: Amanda Ramos


Camaleão [...] 3. Fig. Indivíduo que assume o caráter conveniente aos seus interesses. 4. Indivíduo que adapta sua opinião ao interesse do momento. (definição extraída do Dicionário Aurélio).


A definição apresentada acima é extremamente representativa para que possamos entender com clareza a idéia do filme "Zelig", do incensado e polêmico cineasta norte-americano Woody Allen. Zelig é, afinal de contas, o nome do personagem principal, interpretado pelo próprio Woody Allen, apresentado a todos como o verdadeiro camaleão-humano, capaz de alternar sua personalidade e sua aparência de acordo com o ambiente em que se encontra inserido.

A figura do homem-camaleão – Leonard Zelig - surge em meio ao ritmo alucinante da década de 1920, na efervescência do American Way of Life, quando a imprensa vive de escândalos e novidades escabrosas e chocantes que permitam a venda de tiragens cada vez maiores de seus jornais. E para que tudo tenha um aspecto de maior fidedignidade, Zelig é apresentado em vários momentos ao lado de figuras destacadas da sociedade norte-americana da época, como o presidente Woodrow Wilson, o jogador de baseball Babe Ruth, o ator Charles Chaplin ou o escritor F. Scott Fitzgerald.

É óbvio que o filme extrapola a noção de múltiplas personalidades a ponto de fazer com que o personagem de Allen seja capaz de se transformar em um chinês, em um negro ou mesmo numa pessoa obesa ao mesmo tempo em que incorpora características culturais próprias de pessoas que apresentem esses tipos étnicos ou físicos. Se não fosse dessa forma, certamente não estaríamos diante de uma comédia de Woody Allen, que sempre aborda um tema diferenciado, explorado de forma cômica, apresentado ao público dentro de padrões fílmicos pouco convencionais e que leva, necessariamente as pessoas a refletir e a rir.

Mas, de que forma podemos pensar a respeito do caso de Leonard Zelig, esse intrigante personagem que encarna a sina do homem-camaleão. Será ele fruto de uma sociedade complexa, em mutação? Resultará sua anomalia das doenças da modernidade, onde as pessoas correm com grande intensidade para cumprir com suas rotinas de vida e tem que se adaptar constantemente a novos ambientes, situações e pessoas? De que forma a psicologia analisa casos de múltipla personalidade? O que existe de Zelig dentro de cada um de nós?


Endereço deste artigo: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=105

Conversas com Woody Allen: http://www.cosacnaify.com.br/noticias/extra/woody/woody.html
Transtornos Dissociativos: http://www.psicosite.com.br/tra/sod/dissociativo.htm


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sábado, 4 de abril de 2009

Em Paris

EM PARIS

Por Geo Euzebio


Pode parecer incoerente de minha parte dizer isso aqui, mas, assistir Em Paris sem nenhuma informação sobre a trama me trouxe a grata surpresa de gostar de um filme do qual eu não sabia o que esperar. Sutilmente, inclusive, só se pode estabelecer uma opinião sobre ele quando os créditos sobem, já que durante o desenrolar da trama se pode tentar prever várias soluções que resolveriam as questões propostas ao longo da uma hora e meia de filme. Não que ele fuja completamente de alguns clichês. Digamos que de forma elegante ele nos mostre novas formas de utilizá-los.

E isso foi o que mais me chamou a atenção, por isso chamei de elegante a maneira como o roteiro e a direção encontraram novas formas de escapar de obviedades que facilmente encontramos em filmes recentes. É muito comum se ouvir como resposta a esse tipo de crítica que a culpa vem do esgotamento de possibilidades diante da enorme quantidade de filmes produzidos ao longo da história do cinema. E falando ainda sobre o cinema francês – que sabemos, produziu alguns ótimos cineastas e mesmo escolas cinematográficas já repetidamente citadas e reproduzidas -, Christophe Honoré teria liberdade para apoiar-se nessa desculpa do esgotamento e preguiçosamente se deixar levar pelo mais fácil.

Mas é aí que ele nos presenteia com uma história que, apesar de parecer não querer para si o título de clássico ou o adjetivo de genial, tampouco pode ser taxada de comum: Logo no início, Jonathan (Louis Garrel) encontra um lugar reservado no apartamento de seu pai (Guy Marchand) para falar ao espectador sobre a história que veremos a seguir, e lá da varanda vai ligando o passado e o presente àquele futuro em que ele se encontra. Essa solução que eu chamaria de desmistificação da ficção (e sobre a qual deve existir um termo técnico, que desconheço agora), quando é criado um interlocutor que dialoga, digamos, francamente com o espectador tornando óbvio o caráter fictício daquilo que estamos prestes a assistir.

Logo em seguida somos apresentados à conturbada relação que levará Paul (Romain Duris) ao estado em que o encontraremos no futuro, em que ele voltou a dividir a vida com seu pai e seu irmão Jonathan. Após essa apresentação, outros pequenos truques legais: numa floresta não-verdejante o casal caminha numa espécie de passos marcados, onde somem atrás de uma árvore para reaparecer em frente à câmera, conversando sobre como se sentem diante daquele amor que parece – naquele momento – estar em seu começo, para logo depois o vermos fechados em um carro, numa floresta que pode ser a mesma, travando uma conversa silenciosa de gestos que denotam o desgaste daquela mesma relação, sempre exagerando no melodrama.

Abrindo um parêntese, não deixem de notar a cena em que Jonathan pára em frente a um cinema e o vemos em meio a dois cartazes: um é de Marcas da Violência (que na França foi distribuído através da mesma distribuidora de Em Paris) e o outro é de Last Days, filme de Gus Van Sant e cujo protagonista, Michael Pitt, foi companheiro de cena de Garrel no filme que o apresentou ao mundo, Os Sonhadores. Enfim, o cinema como auto-referência de si mesmo.

As cenas finais também guardam algum lirismo: naquela intimidade de irmãos que sempre dividiram tudo, Jonathan conta a Paul como foi seu dia cujos pensamentos e ações estavam voltados em honra dele e pede, como em retribuição, que Paul leia de novo a historinha de Tom e Loulou, o coelho e o lobo que eram amigos e ensinaram um ao outro o medo-do-coelho e o medo-do-lobo, e assistindo ao filme vocês entenderão melhor. Daí a história segue para seu começo, que também é o fim e que também é o início, assim, circularmente...


Adaptado do: http://www.cineplayers.com/critica.php?id=1268


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quinta-feira, 5 de março de 2009

Encantadora de Baleias

Encantadora de Baleias

Por Aluísio Gomes Jr.*

A tradução de títulos no Brasil costuma ser horrível. É capaz de transformar The Prince of Bel Air (O Príncipe de Bel Air) em Um Maluco no Pedaço. No caso desse filme, no entanto, acertaram em cheio. Poderiam traduzir Whale Rider como Domadora de Baleias, Amazona de Baleias e talvez o público esperasse um filme de ação ou um Free Willy. Preferiram o charmoso título Encantadora de Baleias e nada poderia se encaixar melhor, pois é exatamente isso que a película da diretora e roteirista Niki Caro faz com o espectador: encanta.

Baseado no livro do autor maori Witi Ihimaera, o filme nos leva até uma pequena vila em Whangara, leste da Nova Zelândia. Lá vive um grupo que acredita decender de um semi-deus, Paikea, que teria chegado a ilha cavalgando uma baleia. A partir dele a cada geração o primogênito homem da sua linhagem seria o chefe da tribo. Nova Zelândia? Maori? Paikea??? O que esse filme poderia falar para alguém no Nordeste do Brasil? Muito. Tudo. Canta tua aldeia e cantarás o mundo, diria Tchekov.

Esse canto muda a partir do nascimento da menina Pai (Keisha Castle Hughes). A morte do irmão gêmeo no parto faz com que o posto de líder da tribo fique vago. A pequena Pai é criada pelo avô Karo (Rawiri Paratene) com o qual mantém uma relação ambígua. O avô alterna momentos de extrema ternura com ela, como nas cenas em que a leva a escola de bicicleta, com momentos extremamente rudes (boa parte do filme). A menina quer provar que pode ser líder, o velho chefe quer manter as tradições a qualquer custo.

Pai vai provando seu valor ao longo do filme. Karo não quer treiná-la? Ela aprende com o tio. Não pode freqüentar a escola para chefes? Ela olha as aulas escondida. É certamente um dos personagens mais paciente e perseverante já visto nos cinemas. Ela suporta todos os momentos de humilhação de forma firme, resignada com um único momento de explosão (não por acaso a cena mais emocionalmente do filme). Tudo isso, com apenas 11 anos.

Mas o encanto do filme não seria possível se não fosse pela atriz Keisha Castle Hughes. Keisha com sua aula de atuação transforma a menina Pai numa Joana D’Arc, numa Rosa Luxemburgo. Mulheres que transformaram suas aldeias. Mulheres que transformaram o mundo.

*Jornalista e Coordenador do Cineclube AZouganda

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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Humano, demasiado humano

Por Aluísio Gomes Jr.*

Escolhas. Isso é o que nos faz seres humanos: tomamos decisões. Um cachorro não escolhe, apenas segue seus instintos ou comandos anteriormente ensinados. Stanley Kubrick gostava de colocar seus personagens em situações de estresse, onde raciocinar por conta própria fosse quase impossível. Seja treinamento de guerra (Nascido para Matar), nos confins do universo (2001 – Uma Odisséia no espaço) ou lutando contra as próprias perversões (Lolita).

Em Laranja Mecânica, Kubrick leva essa tendência da sua obra ao extremo. O personagem principal do filme, Alex, não quase perde a sua capacidade cognitiva, ele simplesmente não possui nenhuma em determinado momento da película. Antes da transformação de Alex em um cachorrinho de estimação, lá pela segunda metade do filme, nós somos apresentados ao mundo em que ele vive. Uma Londres futurista, com raríssimas oportunidades de empregos para os mais novos e pais que não se comunicam com os filhos. Alex é um adolescente comum dessa sociedade: ele gosta de Beethoven, beber com os amigos no Korova Milkbar e, claro, praticar a “boa e velha ultraviolência.” Essa última prática, levará Alex à prisão onde é submetido a um tratamento experimental (em algumas das cenas mais enervantes da história do cinema) que retirá o componente “agressivo” da sua personalidade.

A partir disso Kubrick constrói uma teia sobre a qual ele pode se divertir com discussões filosóficas sobre Behaviorismo, críticas a sistemas totalitários direitistas, intelectuais de esquerda e principalmente questões quanto à condição humana. O diretor consegue colocar toda essa discussão em um filme acidamente divertido. Não que Laranja Mecânica seja fácil, mas você não vai precisar pensar no significado de um monólito. Boa parte desse humor negro inerente ao filme se deve a atuação do ator principal, Malcom McDowell. Ele encarnou tão bem o personagem que nunca mais conseguiu outro papel decente (Ok, tem Calígula, mas esse não é exatamente decente).

É difícil dizer se Laranja Mecânica é o melhor filme da extensa carreira de Stanley Kubrick, mas é certamente o que apresenta mais elementos comuns ao diretor: futuro, violência, filosofia, sexo, música erudita. Kubrick morreu há dez anos e é difícil imaginar se um dia vai haver algum cineasta mais completo. Quantos diretores teriam a capacidade de trafegar tão facilmente entre ficção científica (o já citado 2001), humor (Dr. Fantástico), épico (Barry Lindon), romances shakesperianos (De Olhos Bem Fechados).

Apesar do personagem mais marcante da sua obra ser uma máquina (Hal 9000), Kubrick sempre apresentou nas telas os sentimentos humanos que nós tentamos colocar debaixo do tapete. O Cineclube AZouganda concorda com você, Stanley, por isso não varremos nada para debaixo do tapete, nós colocamos tudo na tela do cinema.

*Jornalista Pernambucano e Coordenador do Cineclube AZouganda


STANLEY KUBRICK: http://www.terra.com.br/cinema/favoritos/kubrick.htm
LARANJA MECÂNICA E BEHAVIORISMO: http://recantodasletras.uol.com.br/trabalhosacademicos/1407579
BEHAVIORISMO: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/matos.htm

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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Próxima Exibição: AKIRA (29/10/08)



29 de outubro, quarta-feira


Quadra da FFPNM, às 19h30
ENTRADA GRATUITA






Comemorando a seu modo o Dia Internacional da Animação - D.I.A., o Cineclube AZouganda orgulhosamente apresenta: Akira





Futuro do Pretérito
Por Aluísio Gomes Jr.*


Vocês se lembram dos Jetsons? Aquele desenho com carros voadores, cão-robô, empregada-robô, família americana perfeita. Pararam para pensar que esse futuro idealizado por William Hanna e Joseph Barbera era para estar acontecendo agora? Bom, não sei vocês, mas não tenho visto nenhum carro voando por aí. O futuro visto numa obra de arte tem mais haver com o tempo em que foi concebido do que com uma idéia mediúnica do artista. Quando Os Jetsons foram ao ar pela primeira vez nos EUA, os americanos ainda viviam em uma época anterior a morte dos Kennedys, Vietnã e Revoluções (Social, Cultural e Sexual). Já quando Katsuhiro Otomo dirigiu Akira em 1988, o buraco era bem mais embaixo.

Nos anos 8o o mundo estava de ressaca. Depois de tomar todas nas duas décadas posteriores, ele resolveu dá uma guinada conservadora. O futuro era negro como se podiam ver em Blade Runner de Ridley Scott ou no livro Neuromancer de William Gibson. Ou dark, palavra mais em moda na época. Mas nenhuma outra obra descrevia melhor esse sentimento de final dos tempos da “década perdida” quanto o Akira de Otomo. Akira é puramente oitentista no que isso possa ter de melhor. O filme mistura todos os elementos primordiais da literatura cyberpunk e animação japonesa dos anos 80: mundo pós-guerra, sociedade em crise, corrupção, drogas, sistema militarizado e alienação da juventude.

O enredo se passa em 2031 em Neo-Tóquio, uma Tóquio reconstruída após a original ter sido destruída na III Guerra Mundial. Otomo desenha/fotografa essa Neo-Tóquio em fortes tons de roxo, marrom e verde tal qual Alan Moore e Dave Gibbons fizeram com Watchmen. Os protagonistas da história são dois jovens de uma gangue de motoqueiros, Kaneda e Tetsuo. Após um acidente com uma misteriosa criança, Tetsuo é levado para instalações militares onde irá desenvolver poderes inatos. Não vou contar mais para não entregar a sobremesa antes do almoço, mas o interessante a partir desse ponto é como Otomo desenvolve uma mistura de discussão holístico-religiosa, comentários sociais com cenas de ação de tirar o fôlego. Quem pensou que isso pode ter servido de inspiração para Matrix, acertou em cheio. Os Irmãos Wachowsky, diretores de Matrix, são fãs confessos de Akira. Assim como o filme hollywoodiano, os pensamentos filosóficos da animação não resistem a um debate mais profundo. Mas qual moleque, seja de 10 ou 50 anos, se importa com isso quando vê Kaneda correndo na clássica moto vermelha.

Não apenas em Matrix nós vemos sinais de Akira na filmografia mundial. A influência mais óbvia é em animes japoneses de ficção científica como NeoGenenis Evangelion e Ghost in Shell, mas quando você vir Uma Thurman pilotando uma moto pelas ruas de Tóquio em Kill Bill, pode ter certeza que a inspiração do diretor Quentin Tarantino veio desse clássico da animação nipônica. Talvez, porque o futuro que nós enxergamos hoje esteja muito mais para o apocalipse de Akira do que para a vida suburbana dos Jetsons.


*Jornalista Pernambucano e Coordenador do Cineclube AZouganda

Direção: Katsuhiro Otomo


Ano/Origem: 1988/Japão


Gênero: Animação


Duração: 124 min





Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=qT_SLtKoeVY








O D.I.A (28 de outubro) comemora o aniversário de 116 anos da primeira projeção pública mundial de imagens animadas, em 1892. O pioneiro realizador Emile Reynaud promoveu com seu teatro óptico, no Museu Grevin, em Paris, a proeza de exibir desenhos animados três anos antes do cinematógrafo – o pai do cinema moderno - ser apresentado pelos irmãos Lumiere.








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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Próxima Exibição: O Encouraçado Potemkin (14/10/08)

14 de outubro, terça-feira
Quadra da FFPNM, às 19h30


O Encouraçado Potemkin (Texto Completo)

Por Hugo Viana

Assistir a cena da escadaria de Odessa, do filme Encouraçado Potemkin (Bronomzidi Potiomkini, URSS, 1925), com o olhar do século 21, talvez não seja suficiente para filtrar todo o peso que esses seis minutos têm na história da imagem em movimento. “Os seis minutos mais influentes do cinema”, como sintetizou o historiador Eric Hobsbawn. Trata-se de um momento que encapsula com precisão o maior legado do cineasta russo Sergei Eisenstein para a posteridade fílmica – a importância da montagem para a narrativa cinematográfica.
Para alguns cineastas, liderados por outro gênio da área, Stanley Kubrick, a montagem seria a mais cinematográfica das ferramentas do cinema. A interpretação vem do teatro, o roteiro da literatura, a iluminação e captação de fotos da fotografia – meios de comunicação nascidos antes da sétima arte. Então, o fato de juntar imagens em seqüência, selecionar algumas, em detrimento a outras, e criar sentido a partir da união de todos esses segmentos, seria o que diferenciava o cinema das outras artes.
Esse pensamento surge com mais força no cinema de Eisenstein. O cerne da teoria eisensteiniana – que ele explorou ativamente em textos acadêmicos até sua morte, em 1948 –, dizia que o choque de duas imagens diferentes gerava, no imaginário do espectador, outro significado, que não seria inteligível se a primeira ou a segunda imagem fosse exibida sem acompanhamento.
Serguei Eisenstein apoiou essa idéia em dois conceitos. Quando ele passou a estudar a composição dos ideogramas japoneses, ficou fascinado com o fato da palavra “lágrima” ser formada pela junção dos símbolos “olho” e “água”. Eisenstein pegou essa lógica e alinhou com o pensamento de Lev Kulechov, cineasta experimental russo que, ao filmar a cara inexpressiva de um ator, juntou com outros planos, de forma alternada, mostrando uma tigela de sopa, um caixão e assim por diante. Em nosso inconsciente, essas uniões ganhavam significados específicos: fome, tristeza, e por aí vai.
É assim que o cineasta russo explora o poder da união das imagens em movimento. O conceito já pode ser observado em seu primeiro filme, A Greve (1924). Sua estréia, com investimento do governo comunista – como acontecia em várias obras de Eisenstein, inclusive em Encouraçado Potemkin –, pregava a um público devastado por duas guerras seguidas (a Primeira Guerra e a Revolução Russa) como reagir às injustiças que aconteciam nas grandes fábricas.
Eisenstein fez isso através da justaposição de imagens. Ao colocar um plano de um agente da indústria ao lado de outro, com algum animal, o cineasta queria dar uma leitura específica ao seu trabalho. O subtexto era uma comparação que surgia a partir de duas vertentes intelectuais diferentes e desembocavam numa interpretação única. Esse experimento ganhou contornos ainda mais pungentes quando, no finzinho do filme, Eisenstein compara a morte dos grevistas ao abate de bois e vacas num matadouro. É uma cena chocante, que inflama o discurso comunista que permeia a obra.
Algo similar aparece também em Encouraçado Potemkin. No início do longa-metragem, quando Eisenstein quer desenhar os motivos que levaram os marinheiros a se rebelarem contra a cúpula que manda no encouraçado, o cineasta liga dois planos aparentemente sem relação – uma panela de água fervendo e as feições nervosas da tripulação descontente com os maus tratos, que incluíam chicotadas e alimentos podres.
Ao fazer essa aproximação imagética, o diretor comunica de forma criativa o estado de espírito daquele grupo de gente. Isso vai ser necessário para a fruição do filme, já que é a rebelião deles que Eisenstein narra. A tensão na embarcação aumenta a cada cena, com os embates entre os marinheiros e os oficiais se tornando cada vez mais intensos.
A faísca que toca fogo no espírito revolucionário dos marinheiros é a sentença de morte dada a um grupo deles, por desobedecerem às ordens vindas da classe dominante. O personagem principal dessa primeira metade do filme do cineasta russo – idéia que não existia em A Greve, onde o protagonista era uma massa aguerrida –, o marinheiro Vakulinchuk, que morre nas mãos de um “carniceiro”, nas palavras de Eisenstein, conclama seus camaradas e a luta entre marinheiros e oficiais finalmente toma conta do barco.
Nesse momento, através da alternância entre closes, planos médios e gerais, sempre com cortes rápidos e secos, e num bem ensaiado jogo de cena, Eisenstein consegue dar gás ao seu filme e estabelecer elos com os espectadores, que assistem a esse fluxo de imagens como convidados ilustres. Ao longo da luta, o cineasta ainda cutuca a religião. Um velho, com o cabelo todo despenteado e cara de louco, aparece empunhando uma cruz. Sua queda, em meio à briga entre Vakulinchuk e um oficial, pode ser lida como o destino das instituições religiosas daquele país.
Mas voltando à Odessa. Ao contrário da montagem por associação, que em A Greve foi feita num paralelismo que não existe de verdade, dentro do filme – os bois e vacas não fazem parte da narrativa, estão ali para ilustrar uma idéia –, em Encouraçado Potemkin, o diretor tomou um punhado de escolhas estéticas que mexem com os brios do espectador num tom mais íntimo. Diferente da “massa”, do longa inicial de Eisenstein, na cena de Odessa, há um outro ponto de referência, que direciona a atenção do público. É a utilização de arquétipos que ativam a emoção no espectador. Durante o massacre, uma mãe, que tem seu filho morto, vai tirar satisfações com a tropa que está atirando sem piedade. Ao chegar perto, leva uma saraivada de balas e cai sem vida. A força desse momento reside nos ecos que ele causa em nossa imaginação. A cena, num todo, é de uma perfeição métrica e estética pouco vista no cinema. Os soldados, dominantes na cena, partem de cima, tomando conta dos planos. A população escapa por baixo, morrendo pelos batentes. A agonia ainda é aumentada por um carrinho de bebê que sai desgovernado por esse ambiente hostil – homenagem a essa cena pode ser encontrada em Os Intocáveis, de Brian De Palma.
O fato do filme de Eisenstein ter sido feito por encomenda, a partir de um pedido do governo comunista para comemorar os vinte anos da batalha de Odessa, não tira o brilho do estudo do cineasta. É uma daquelas películas que todo mundo já destrinchou, debateu e refletiu. O que resta é apreciar as imagens, já que estas, mesmo depois de mais de oitenta anos, ainda carregam a energia revolucionária de seu ideal.
Saiba mais:


Título Original: Bronenosets Potyomkin

Direção: Sergei Eisenstein

Ano/Origem: 1925/Rússia

Gênero: Drama, Guerra

Duração: 75 min


Cineclube AZouganda:





quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Próxima Exibição: Amor à Flor da Pele (26/09/08)

Wong Kar-wai emociona e disseca paixão em “Amor à Flor da Pele”

Por Redação Terra

Edição: Amanda Ramos


Há histórias de amores modernos mal resolvidos como Romeo e Julieta e de mulheres adúlteras como a personagem Anna Karenina ou Madame Bovary que causam comoção no público e povoam o imaginário de várias feministas.
Pois In The Mood of Love (Amor À Flor da Pele), de Wong Kar-wai, não é da mesma linha, mas também disseca belos elementos da famosa história de um amor impossível ao abordar os desencontros de um casal à luz da repressão feminina e das convenções sociais. Neste caso, o cenário é Hong Kong e o ano, 1962.
Este filme traz uma bela fotografia sem precisar apelar para os "efeitos especiais" contemporâneos dos filmes que tratam de amor e relacionamentos, como as picantes cenas de beijo, sexo ou de nudez feminina.
Não se trata de milagre. Com uma câmara que carrega na poesia através do uso de técnicas como o "slow-motion" e a música - quase um bolero - como pano de fundo, Wong Kar-wai prefere sugerir do que mostrar, optando por criar uma atmosfera de expectativa, repressão e solidão. São esses recursos que tornam o filme tão interessante.
Outro grande mérito do filme é que nunca chegamos, ainda, a ver a mulher de Chow ou o marido de Li-chun, embora os diálogos dos personagens centrais sejam marcados de referências aos seus respectivos cônjuges do início ao fim.
Chegamos quase a imaginar como seria este outro casal, e não há como fugir de traçar um paralelo entre os dois e perceber a diferença entre um amor profundo e sufocado e um relacionamento ocasional, possivelmente passageiro, mas certamente mais libertário.
Pode-se estranhar que um diretor que se destacou primeiramente fazendo comédia tenha se dado tão bem em retratar desencontros amorosos modernos sem cair na tentação fácil da apelação.
Mas é sem dúvida na criação desta nova linguagem que a obra de Wong Kar-wai se torna tão obrigatória para o cinema contemporâneo, com Amor À Flor da Pele entrando necessariamente na fila dos belos contos românticos cinematográficos de todos os tempos.


Endereço deste artigo: http://www.terra.com.br/cinema/drama/flordapele.htm

Saiba mais:

Entrevista com Wong Kar-wai: http://www.zetafilmes.com.br/interview/wongkarwai.asp?pag=wongkarwai
Cinema Chinês: http://pequim.abril.com.br/china/cinema-chines/

Título Original: In The Mood For Love
Direção: Wong Kar-Wai
Ano/Origem: 2000/China
Gênero: Drama
Duração: 98 min

Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=HYApIbybCWY&

Cineclube AZouganda: http://www.orkut.com.br/Community.aspx?cmm=8660941
Fotolog: http://www.fotolog.com/cine_azouganda