terça-feira, 30 de outubro de 2007

Videodrome


Exibição do dia 24 de outubro de 2007.


Videodrome

Por Carla Alice Apolinário Italiano


"Long live the new flesh". Frase emblema - ao mesmo tempo positivismo, ironia e pessimismo - condensa de modo bem elaborado a postura do filme frente à história de alucinação com ares de pesadelo tecnológico que decide contar. Frase como slogan do novo ser humano, concebido e disseminado pelo poder da televisão; como ruína evidente da resistência frente à manipulação que agora deixa de ser ideológica para se tornar física. Quando Max Renn profere tais palavras temos consciência de que ele adentra em um outro estado de existência, que sua transformação em “nova carne” foi efetivada de tal maneira que um retorno já não se mostra possível – sua sobrevivência (se ela existir) se dará estritamente em um estado midiático. Como a personagem de Brian O’Blivion em determinado ponto anuncia, “televisão é realidade, e a realidade é menos que a televisão”.


O trunfo do filme é nos deixar ser engolidos pela visão do protagonista, nossa percepção alterada a ponto de não se poder determinar onde termina a sua (nossa?) realidade e começa a alucinação. Nos identificamos com Max, desde sua vontade por algo “mais forte” - pornografia/violência -, seu fascínio ao conseguir posicionar seus anseios em um programa televisivo, a íntima relação entre dor e prazer (Crash?) na sedutora figura de Nikki Brand. A partir desse ponto uma sensação de incômodo é derivada no espectador quando essa identificação caminha junto à obsessão, os desejos do protagonista o fazendo sucumbir em uma intrincada trama de reviravoltas e poder. O olhar objetivo aos poucos se funde ao da primeira pessoa em uma subjetividade agonizantemente criativa, que pode se manifestar na humanização (como não poderia deixar de ser) do aparelho televisivo ou na criação de novos orifícios corporais - inventividade que seria retomada em Naked Lunch, com suas máquinas de escrever mugwump-beatnik expelidoras de suco.


Dentro da filmografia de Cronenberg Videodrome não é exceção. Aqui ele nada faz além de transportar seu já consolidado ideário cinematográfico para um olhar sobre a televisiva década de 80: a transmutação tecnológica, a evolução regressiva do caráter humano frente às inovações científicas, o retrato psicologicamente denso de personagens em seus vícios e obsessões, a sexualidade humana em sua complexidade.


Videodrome enquanto um programa televisivo, que na espécie de lógica irracional em que o filme maior se insere carrega o poder de alterar a pessoa que o assiste (alteração que, como era de se esperar, não se restringe ao metafórico); manipulação social com toques de seita religiosa. Videodrome enquanto filme, que faz questão de se embaralhar à sua criação homônima (como o título se apresentar de forma idêntica ao de videodrome-video) e suscitar pontos de convergência. Videodrome como a síndrome do video (e nesse caso a tradução está do meu lado) - a televisão apocalíptica como pretexto para um mergulho na psicologia humana.





Título Original: Videodrome

Direção: David Cronenberg

Ano/Origem: 1983/Canadá, Estados Unidos

Gênero: Ficção Científica, Suspense, Terror

Duração: 87 min.

Fucking Amal


Exibição do dia 9 de outubro de 2007.



Amigas de Colégio: Agonia e Êxtase


Por Kleber Mendonça Filho


Amigas de Colégio (Fucking Amal, Suécia, 1998), do estreante Lukas Moodysson (seu segundo filme é o também simpático Bem-Vindos), apresenta um olhar nítido e carinhoso sobre o inferno e confusão hormonal que é a adolescência. Utiliza uma história de amor entre duas garotas, Elin e Agnes, para nos envolver na lógica e visão do mundo de pessoas que não são mais crianças, mas que ainda não aparentam funcionar plenamente como adultos... Pois bem, num golpe inteligente, o filme nos diz que adolescentes têm condições de decidir seus caminhos, e isso inclui a sexualidade. É uma visão subversiva, festejada aqui num cinema honestamente escandinavo.


Amigas de Colégio tem tamanho frescor que parece um documentário intimista. As atuações são perfeitas e têm um alcance dramático invejável estampado no rosto de, principalmente, Rebecca Liljeberg (Agnes). Já em direção ao final, Moodysson nos apresenta um outro grande momento repleto de inteligência e significado numa delicada utilização de metáfora para o "coming out/sair do armário". É um grande ponto final para o filme, não apenas engraçado, mas também de muita delicadeza.


O filme é também cheio de pequenas observações afiadas sobre a lógica hormonal dos adolescentes, o que o torna preciso e bem humorado. Elin, por exemplo, não sabe se será modelo ou psicóloga. Num outro momento, batatas fritas precisam ser consumidas para que uma mãe não desconfie de que as filhas não ficaram em casa. Há também uma ridícula tentativa de suicídio com um depilador descartável.


Amigas de Colégio toma de assalto um gênero conhecido do Cinema Americano (o filme "teen") e o melhora com um estilo realista, afinado e de uma clareza notável. Nos dá a impressão de termos visto um raio X verdadeiro não apenas de questões ligadas à descoberta da (homo)sexualidade, mas também de uma fase dolorosa para todos nós: a adolescência.

PS: observem atentamente Agnes, na última cena do filme. Existe expressão mais pura de felicidade e paixão estampada num rosto?


Endereço deste artigo: http://cf.uol.com.br/cinemascopio/critica.cfm?CodCritica=411

Título Original: Fucking Åmål
Direção: Lukas Moodysson
Ano/Origem: 1998/Dinamarca, Suécia
Gênero: Drama, Romance
Duração: 89 min.